Os primeiros 100 dias do governo Lula-Alckmin

Editorial da 27ª Edição do jornal Tempo de Revolução. Faça sua assinatura agora! Apoie a imprensa operária e independente.

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Hoje (10) completam-se 100 dias do novo governo. A vitória de Lula nas urnas em 2022 foi uma vitória da luta de jovens e trabalhadores, que se mobilizaram para derrotar o odiado governo Bolsonaro e sua política reacionária. Mas a luta continua, e nós já explicávamos isso durante a campanha. Além do bolsonarismo continuar vivo – mesmo que debilitado – um governo de união nacional com a burguesia, o governo Lula-Alckmin, está submetido aos interesses fundamentais da classe dominante e do imperialismo.

O governo que se alia com os capitalistas, que tem entre seus ministros representantes da direita e até da extrema-direita, é incapaz de atender as demandas centrais das massas exploradas e oprimidas pelo capital. Discursos inflamados, “representatividade” na posse e nos ministérios, acabam sendo apenas uma aparência mais simpática para, no fundo, prosseguir a defesa do sistema capitalista e dos interesses gerais da burguesia.

A política econômica do governo

Os compromissos do atual governo ficam evidentes em sua política econômica que, na realidade, pouco se diferencia da de Bolsonaro e Temer. Recentemente foi apresentado por Fernando Haddad e Simone Tebet o “novo arcabouço fiscal”, que não passa de um novo teto de gastos públicos no lugar do teto aprovado no governo Temer e mantido por Bolsonaro.

É um novo limite, um freio para os gastos do governo, que visa garantir ao mercado que o governo irá cumprir o superávit fiscal para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública com seus credores, principalmente bancos e especuladores internacionais, ou seja, o capital financeiro. Se em discursos Lula recrimina bancos e o mercado, na prática se submete a seus interesses fundamentais. Por isso, o tal mercado reagiu positivamente ao anúncio do “arcabouço”, com alta das bolsas e queda do dólar.

O novo teto coloca um limite no crescimento das despesas do governo a até 70% do crescimento da arrecadação do ano anterior. Por exemplo, se a arrecadação aumenta 2%, o aumento das despesas poderá ser de até 1,4% (ou seja, 70% de 2%), além da inflação. Mas esse aumento das despesas também terá um piso e um limite máximo, entre 0,6% e 2,5%.

O UOL economia destacou: “Se o novo arcabouço fiscal já estivesse em vigor desde 2011, o governo federal teria tido uma economia de R$ 775,3 bilhões no período – ou de R$ 64,6 bilhões ao ano. Os cálculos foram feitos pelos economistas Felipe Salto e Josué Pellegrini, da corretora Warren Rena. As simulações indicam que, na prática, os gastos médios anuais teriam sido menores do que os efetivamente observados, a preços de 2022”.

Garantir o pagamento da ilegítima dívida, instrumento de dominação do imperialismo, este é o centro. Vale lembrar que além dos governos anteriores de Lula e Dilma terem pago religiosamente os juros e amortizações da dívida, Dilma vetou em 2016 uma Auditoria da Dívida que chegou a ser aprovada pelo próprio Congresso Nacional no ano anterior. O pagamento de juros e amortização da dívida pública consumiu 46,30% do orçamento federal executado em 2022, ou R$ 1,879 trilhão. Para comparar, os gastos com saúde foram de 3,37% do orçamento executado no ano passado e, com educação, de 2,70%.

Além disso, o Brasil tem mais de US$ 300 bilhões de reservas internacionais aplicadas em títulos da dívida norte-americana, só que estes títulos rendem juros abaixo da inflação. Ou seja, o governo brasileiro financia o imperialismo norte-americano “perdendo” dinheiro.

Os recentes conflitos entre o governo Lula e o Banco Central sobre a taxa de juros (Selic), longe de ser uma posição de defesa do interesse dos trabalhadores, é parte de uma concepção para fomentar a economia capitalista. O Banco Central e seu presidente, Campos Neto, defendem a alta da taxa de juros e sua manutenção a 13,75% para, supostamente, combater a inflação.

O governo, por sua vez, defende que é preciso reduzir a taxa de juros para aumentar a produção e o consumo, e, em tese, fazer a economia crescer. Mas isso não tem como objetivo beneficiar a classe trabalhadora. Em discurso a empresários em fevereiro, Lula disse que o setor empresarial precisa aprender a reivindicar, precisa aprender a reclamar dos juros altos. E dirigindo-se a Josué Gomes, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), completou: É preciso, Josué, que você saiba que, se a classe empresarial não se manifestar, se as pessoas acharem que vocês estão felizes com 13,5%. Sinceramente, eles não vão baixar juros“. Ao levar esta “batalha de Pirro”, perdida antecipadamente, Lula procura desviar a atenção dos trabalhadores e evitar as batalhas que se anteveem nas negociações salariais.

Da parte dos revolucionários, não se trata de reivindicar redução ou aumento dos juros, isso é administração dos negócios da burguesia. Nossa luta é por emprego e salário digno para todos os trabalhadores, com reajuste mensal dos salários de acordo com a inflação. E o não pagamento da fraudulenta dívida pública, com todo o dinheiro da dívida sendo revertido para a saúde, educação, moradia etc.

Por que os ataques não são revogados?

A recusa do governo em revogar o Novo Ensino Médio (NEM) é uma demonstração evidente de seus compromissos. A suspensão do cronograma de implementação do NEM, anunciada pelo ministro da Educação, Camilo Santana, mostra que o governo está sentindo a pressão da mobilização. Mas a suspensão por 90 dias, enquanto se realiza a Consulta Pública, não significa um recuo real.

Fato é que tanto Lula quanto Camilo Santana se pronunciaram diversas vezes contra a revogação, defendendo apenas “ajustes” no novo modelo. Não é de estranhar. Apesar da Reforma do Ensino Médio ter sido aprovada por Temer e ter começado a ser implementada por Bolsonaro, o embrião do projeto foi formulado durante o governo Dilma, assim como, aliás, a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência aprovadas nos governos Temer e Bolsonaro.

Dilma, então candidata à reeleição, defendeu em 2014 uma reforma do ensino médio durante a campanha, chegando a declarar em entrevista: O jovem do ensino médio, ele não pode ficar com 12 matérias, incluindo nas 12 matérias Filosofia e Sociologia. Tenho nada contra Filosofia e Sociologia, mas um curriculum com 12 matérias não atrai o jovem. Então, nós temos que primeiro ter uma reforma dos currículos.

O Novo Ensino Médio, para além da redução do conteúdo geral das disciplinas tradicionais para os estudantes, é parte de um desmonte da educação pública que visa a redução de gastos do governo com a educação, preparando o terreno para a demissão de servidores e ampliação da privatização, com a entrada dos grandes conglomerados de educação em “parceria” com o Estado, em particular com a oferta do ensino a distância.

O compromisso do governo com o capital o impede de se posicionar pela revogação do NEM. Assim como pela revogação da Reforma Trabalhista e da Reforma da Previdência. Nossa luta é pela revogação total e imediata de todos estes ataques, ajudando os setores mais avançados da classe trabalhadora e da juventude a fazerem a experiência com o novo governo e sacarem as conclusões adequadas, de se organizar para seguir a luta sem se deixar levar pelo discurso pronto da oposição bolsonarista de extrema-direita a este governo.

Avanço da consciência, as lutas que se preparam

Hoje, Lula e PT não têm nem a autoridade nem o controle sobre a classe trabalhadora que tiveram no passado. As decepções com os governos anteriores de Lula e Dilma romperam os laços que o PT tinha com as massas proletárias. A candidatura de Lula em 2022 foi muito mais o instrumento disponível para derrotar Bolsonaro, sem profundas ilusões do que seria seu governo, apesar de, claro, existir a esperança de que dias melhores viriam.

O avanço da crise econômica internacional no país, com um governo comprometido em perpetuar o sistema vigente, só pode provocar a queda das condições de vida das massas, o que, por sua vez, impactará a popularidade do governo. Esta é uma situação que pode beneficiar a oposição de direita e extrema-direita que, apesar de derrotada nas urnas e seu fracionamento, aprendeu que pode mobilizar uma certa base na sociedade.

No entanto, a direita e a extrema-direita hipócritas não podem apresentar nenhuma saída real para as massas. Quatro anos de governo Bolsonaro evidenciaram isso. A luta pelo atendimento das necessidades concretas é o combustível para a luta de classes que, por sua vez, é o motor da história.

Temos visto a disposição na base, em particular entre a juventude, em lutar para revogar o NEM, apesar das manobras e bloqueios das direções das entidades sindicais e estudantis. Os que despertam para essa luta contra o NEM dão um passo à esquerda em oposição ao governo, e não à direita.

A ação concreta do governo Lula-Alckmin tem feito cada vez mais setores perceberem, pouco a pouco, a necessidade da mobilização e organização independente para revogar os ataques anteriores, barrar novos e avançar em conquistas.

Uma nova leva de trabalhadores e jovens está se formando, aprendendo com a experiência prática. Estes ativistas participaram da luta para derrotar Bolsonaro e, agora, dão os primeiros passos na luta pelas reivindicações sob o governo de união nacional. Estão vendo também os exemplos que vêm de outros países, como as mobilizações contra a reforma da previdência e o governo Macron na França.

Os revolucionários devem se conectar a estas camadas, lutando ombro a ombro, explicando a necessidade do programa revolucionário e da organização revolucionária. Em 2022, a busca que mais cresceu no Google Brasil, na categoria “o que é…”, foi “o que é comunismo?”. Há interesse pelas ideias comunistas, há uma base que se sente vitoriosa por ter derrotado Bolsonaro, que não se contentará com mudanças “cosméticas”, que buscará a mudança real e não se calará diante de ataques. Uma explosão de luta de classes se prepara para o próximo período com o aprofundamento da crise capitalista. Este é o terreno favorável para o avanço do crescimento da Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional. Ao combate!

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