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A polícia e os sindicatos forneceram números conflitantes para quantificar a participação em diferentes partes do país, dificultando a obtenção de uma imagem completamente precisa. Por exemplo, em Marselha, a CGT alegou que havia 150 mil manifestantes — seis vezes maior que a estimativa oficial da polícia. As autoridades tendem a subestimar a escala das manifestações e, olhando as imagens nas mídias sociais, parece que os números dos sindicatos estão mais próximos da verdade. O que não está em dúvida é que a participação em todos os lugares foi significativamente maior do que nos últimos anos.

A polícia contou 33 mil em Toulouse, 20 mil em Bordeaux, 19 mil em Nantes, 15 mil em Clermont-Ferrand, 13 mil em Lille, Rouen e Grenoble; e vários milhares em Tours, Rennes, Brest, Saint-Etienne, Bayonne, Pau, Estrasburgo, Perpignan, Limoges, Saint-Nazaire e Caen. Se assumirmos que uma escala semelhante de desonestidade se aplica tanto a esses números quanto à participação em Marselha, o número nacional é realmente notável. Houve também uma mobilização massiva em Versalhes, onde as greves fecharam, não apenas a estação de trem, mas também o Palácio!

Convergência de lutas

Os trabalhadores dos transportes formaram a espinha dorsal da greve. Houve uma paralisação quase total do transporte público, com o grupo ferroviário estadual (SNCF) estimando que apenas um em cada 10 trens interurbanos e de alta velocidade estavam circulando ontem. Cerca de 90% dos serviços regionais foram fechados da mesma forma. Em Paris, as estações de metrô estavam desertas, enquanto os trabalhadores ferroviários baixavam as ferramentas. Serviços internacionais como o Eurostar também foram prejudicados e a Air France foi forçada a cancelar 30% dos voos internacionais internos e de curta distância após uma paralisação em massa por parte dos controladores de tráfego aéreo.

Outras camadas de trabalhadores do setor público saíram com força, principalmente os professores. Centenas de escolas foram fechadas quando cerca de 70% dos professores do ensino fundamental e 60% do ensino secundário entraram em greve, muitos dos quais se uniram às manifestações de seus alunos. Os trabalhadores da saúde também foram uma presença visível. Embora tenham sido obrigados a manter um serviço mínimo, participaram fortemente em todo o país, e há imagens circulando nas mídias sociais de frotas de ambulâncias bloqueando as principais estradas de Paris.

O punho do Estado francês (já ensanguentado pela repressão aos gilets jaunes) bateu com força nas manifestações. Mais de 6 mil policiais das unidades de choque se alinharam na rota da coluna principal em Paris, que marchava da Gare du Nord para o leste da cidade, e à tarde já havia mais de 70 prisões. À medida que o dia passava, os gendarmes de todo o país se tornaram mais agressivos, disparando gás lacrimogêneo e lançando os temíveis cartuchos de “stingball” sobre as multidões: a arma cruel de combate a distúrbios que custou a muitos gilets jaunes seus dedos e olhos. Apesar disso, os manifestantes eram pacíficos, com apenas alguns confrontos e casos de vandalismo.

Os bombeiros tiveram um papel especialmente heroico. Há dois meses, eles fizeram uma manifestação reivindicando melhores salários e condições de trabalho, e foram violentamente reprimidos pela polícia. Isso teve um forte impacto em sua consciência. Apesar dos confrontos entre bombeiros e a polícia de Lille, eles eram principalmente uma força disciplinada, saindo como um bloco organizado em Avignon, Toulon, Rennes e Rouen, levantando as mãos para mostrar que não estavam procurando briga. Mas isso não significava que eles eram passivos.

Na capital, os bombeiros enfrentaram a CRS (polícia de choque), depois que a coluna principal foi bloqueada no Boulevard Magenta e novamente na Place de la République. A multidão foi açoitada com saraivada após saraivada de gás lacrimogêneo, tornando o ar irrespirável, após o que os bombeiros cobriram a boca com máscaras e marcharam na cabeça da coluna para fazer a polícia recuar, quebrando o bloqueio e permitindo que a coluna prosseguisse. Durante todo o tempo, a multidão cantava: “Macron, démisson!” [Fora Macron!] — o principal slogan dos gilets jaunes.

Embora a saída dos trabalhadores do setor público tenha sido generalizada, foi uma história diferente para os trabalhadores do setor privado. Novamente, há informações limitadas disponíveis, mas parece que a participação aqui foi limitada a uma pequena minoria. Por exemplo, foi relatado que apenas cinco por cento dos trabalhadores da fábrica da Renault, em Flins, participaram, apesar do pedido de participação dos sindicatos.

No entanto, algumas indústrias-chave do setor privado foram afetadas. Por exemplo, trabalhadores de petróleo nas refinarias de petróleo surgiram nos últimos anos como uma seção muito radical da classe trabalhadora. Sete das oito principais refinarias francesas estavam em greve ontem, incluindo as operadas pela Total em Donges (Loire-Atlantique), Gonfreville-l’Orcher (Seine-Maritime), Grandpuits (Seine-et-Marne), Feyzin (metrópole de Lyon) e La Mède (Bocas do Ródano).

Além disso, houve interrupções em outros setores da cadeia de suprimentos. Por exemplo, grevistas bloquearam 12 dos 200 armazéns da Total. Os estivadores também participam, entrando em greve nos portos de petróleo de Fos e Le Havre, com repercussões em Portes-les-Valence (Drôme), Puget-sur-Argens (Var) e Saint-Jean-de-Braye (Loiret).

Embora reduzidos a grupos, os gilets jaunes estavam espalhados pelas manifestações – ombro a ombro com os sindicatos. Eles foram filmados levantando cabines de pedágio em St-Arnoult, permitindo que o tráfego passasse sem pagar a tarifa; e pequenos grupos entre 200 e 300 manifestantes estão revivendo a tática dos gilets jaunes de bloquear as rotatórias. Os gilets noirs (o movimento de migrantes indocumentados inspirados nos métodos dos coletes amarelos) também participaram das manifestações, oferecendo solidariedade geral à greve e levantando suas próprias demandas por documentação para trabalhar legalmente no país.

Embora a participação dos jovens tenha sido generalizada, os estudantes não saíram como um bloco separado e organizado. Os camaradas da Corrente Marxista Internacional (CMI) levantaram palavras de ordem pela solidariedade entre estudantes e trabalhadores e pela derrubada do governo, que foram bem recebidas, nas assembleias estudantis de Toulouse e Paris. No entanto, há um clima de descontentamento com os líderes oficiais do movimento estudantil, que transformaram as assembleias estudantis nos campi em meros clubes de discussão. Também houve alguma confusão e desmoralização após uma série de derrotas infligidas contra o movimento estudantil no período recente. Como resultado, assembleias de 400 a 500 estudantes foram realizadas em vários campi, número bem menor do que durante o auge do movimento dos gilets jaunes.

Isso não sugere que os jovens não apoiem a greve – muito pelo contrário. Os estudantes sentem cada vez mais que a dinâmica da luta está nas ruas, entre a classe trabalhadora, em vez de se verem como uma facção separada. Como resultado, em vez de ficar debatendo sem parar com os colegas no campus, milhares de jovens simplesmente se lançaram nas manifestações, ao lado dos trabalhadores.

A greve rola até hoje, resultando em 350 km de engarrafamentos na área de Paris, e a maioria das redes de transporte público permanecerá fechada no fim de semana. Embora as escolas estejam oficialmente abertas novamente, muitas aulas ainda estão sendo interrompidas. Apesar do caos e das tentativas fervorosas do governo Macron de criar uma barreira entre a população em geral e os trabalhadores do setor público (que Macron e a imprensa acusaram de desfrutar de “privilégios” injustos), o apoio público à greve é muito alto. Uma pesquisa constatou que 69% dos franceses apoiam o movimento.

As massas chegaram à conclusão correta de que o ataque de Macron ao setor público e às pensões representa parte de uma política geral de ataques aos trabalhadores. Se não resistirem, Macron continuará a destruir as condições de trabalho e os serviços públicos a pedido de seus senhores capitalistas. Como Arnaud, um gerente de vendas de 30 anos, comentou:

“Se as pessoas realmente soubessem como essa reforma as afetaria, todas estariam na rua.”

Problema de liderança

Hoje (6/12), a CGT convocou uma cúpula geral, envolvendo FO, Solidaire, FSU e quatro organizações de jovens, para debater como proceder. Foi anunciado posteriormente que outra greve interprofissional será realizada na próxima terça-feira, após uma resposta programada do governo Macron. Enquanto isso, as assembleias gerais dos trabalhadores da SNCF e da RATP já haviam votado, por grandes maiorias, para continuar sua ação até pelo menos segunda-feira.

Apesar de enfatizar a necessidade de “generalizar as greves em todos os locais de trabalho”, há uma sensação, inevitável, de que a liderança da CGT está atrasada em relação aos eventos. Uma clara contradição está surgindo entre a estratégia e as perspectivas dos escalões superiores sindicais, e as bases. Os primeiros estão voltando toda a sua artilharia contra a reforma das pensões. Os últimos estão atacando a política geral do governo Macron e pedindo sua derrubada. É claro que a liderança sindical ficou assustada com a experiência do movimento dos gilets jaunes, que aconteceu inteiramente fora de seu controle e explodiu em uma luta de proporções insurrecionais.

Na última década, quando a crise do capitalismo francês tornou impossíveis as concessões genuínas do governo, a estratégia da liderança sindical seguiu um certo padrão. O governo faria ataques à classe trabalhadora, o que pressionaria os sindicatos a liderar uma reação. Os sindicatos então convocariam vários “dias de ação” (raramente greves), que contariam com uma boa assistência e seriam militantes, mas não alcançariam nada além de dissipar o vapor. Uma vez esgotado o movimento, as pessoas voltariam ao trabalho – de mãos vazias e desmoralizadas – e o governo prosseguiria com seus cortes.

A crise capitalista minou o antigo sistema de parceria social, no qual a burocracia sindical serviria como o “mediador” oficial entre o governo e a classe trabalhadora. A fim de manter suas posições privilegiadas, os burocratas se adaptaram e agora simplesmente desempenham o papel de frear a classe trabalhadora e ajudar a direcionar sua crescente raiva para canais seguros.

O movimento dos gilets jaunes marcou o fim dessa estratégia. Foi liderado pelas camadas mais oprimidas e deprimidas da sociedade francesa e tornou-se um grito de guerra para uma classe trabalhadora que se cansara totalmente do papel inútil de suas organizações tradicionais. O fato de os gilets jaunes emergirem inteiramente fora das estruturas oficiais dos sindicatos (cujos líderes o tratavam com ódio e suspeita) não era de surpreender, assim como seu ceticismo em relação às organizações tradicionais de massa. Apesar dos esforços dos sindicalistas comuns para criar laços de solidariedade com os coletes amarelos, essa hostilidade mútua nunca foi totalmente superada.

Hoje, apesar do movimento de refluxo (sob os golpes de martelo do Estado e pela falta de uma liderança revolucionária), o impacto dos gilets jaunes na sociedade francesa foi profundo. Houve dois efeitos principais. Em primeiro lugar, as massas aprenderam com os gilets jaunes que o caminho para ganhar concessões é através da ação direta. Ao forçar uma reviravolta no imposto regressivo dos combustíveis de Macron, os coletes amarelos realizaram mais em poucas semanas do que as organizações de massa em 10 anos. Como comentou Isabelle Jarrivet, uma funcionária da administração da prefeitura de 52 anos em Paris:

“Os protestos dos gilets jaunes levaram as pessoas a pensar e falar mais sobre política e as pessoas mais determinadas a não deixar as coisas passarem. Pode-se sentir um clima desafiante no ar”.

Nesse sentido, embora os gilets jaunes tenham retrocedido, eles são mais fortes do que nunca. Para muitos manifestantes no local, o sentimento hoje é: “somos todos gilets jaunes“.

O segundo efeito dos gilets jaunes foi concentrar todas as lutas díspares da sociedade francesa contra essa ou aquela contrarreforma em uma luta geral contra toda a política do governo dos ricos de Macron. Isso realmente abalou os escalões sindicais superiores. Não sendo mais capazes de desviar a raiva das massas para “dias de ação” inúteis (que o governo não teme nem um pouco), foram forçados pela pressão de baixo a organizar uma greve adequada, que paralisou o país e colocou Macron de volta na defensiva.

O problema, do ponto de vista dos burocratas, é que, dada a profundidade da raiva nas ruas e as lições aprendidas sobre a experiência do movimento gilets jaunes, essa greve tem o potencial de sair rapidamente do controle.

É notável que os líderes sindicais tenham sido deliberadamente discretos com relação à participação em diferentes setores e partes do país. A verdade é que, apesar do que eles dizem, eles realmente não querem uma “convergência de lutas” que atraia amplas camadas da sociedade francesa. Eles não fizeram nenhum esforço sério para coordenar a luta nacional ou fornecer-lhe liderança política, programa, objetivos ou perspectivas.

Está claro, pelos slogans e pelo humor nas ruas, que as massas não querem apenas a reforma da previdência cancelada, elas querem Macron fora. Outro movimento insurrecional a partir de baixo – especialmente um de caráter claramente operário – colocaria em risco a posição privilegiada da burocracia sindical. Os altos escalões simplesmente querem alavancar a greve para forçar novas negociações com o governo (como fica claro nas declarações do secretário geral da CGT, Philippe Martinez). Como tal, eles estão se esforçando ao máximo para se concentrar exclusivamente na reforma da previdência, evitando slogans contra o governo como um todo e se recusando a liderar a ofensiva geral contra Macron.

A reforma das pensões é um reflexo de uma necessidade mais profunda do capitalismo francês em crise: a de espremer a classe trabalhadora. Toda a política de Macron é expressão disso. A batalha contra a reforma previdenciária, portanto, exige um acerto de contas com o regime de Macron como um todo. A estratégia de falência dos líderes da CGT é projetada simplesmente para conter e desviar a energia insurrecional das massas para um beco sem saída.

Infelizmente, Mélenchon e France Insoumisse adotaram a mesma posição, enfatizando a luta contra a reforma previdenciária de forma isolada. Isso está muito longe do radicalismo da postura de Mélenchon durante o auge do movimento gilets jaunes, onde ele endossou a exigência de derrubar Macron e até dissolver a Assembleia Nacional. Isso reflete a crise que atinge a France Insoumisse, cuja aversão ao estabelecimento de estruturas partidárias adequadas, em favor de permanecer um “movimento social” amorfo, atrapalhou a organização. Após um resultado contundente durante as recentes eleições europeias, essa autoconfiança ferida precipitou uma virada à direita, com Mélenchon fazendo propostas aos Verdes (que não são melhores que os social-democratas) para formar um governo de coalizão no futuro.

Esta é precisamente a estratégia errada neste momento. Se Mélenchon pudesse recuperar um pouco de seu espírito radical de dois ou três anos atrás, colocar France Insoumisse em uma base adequada e organizada e apresentar slogans ousados para derrubar Macron, ele poderia preencher o vazio deixado pelas organizações de massa e conectar-se com o humor insurrecional. As dificuldades de France Insoumisse refletiram-se durante a marcha em Paris, onde constituíam um bloco de 200 pessoas no fundo de uma coluna com mais de 200 mil participantes.

O espírito dos gilets jaunes está vivo!

Em forte contraste com a passividade e obsessão pelas “negociações” no topo, a base do movimento sindical é ousada e dinâmica. Os trabalhadores já estão realizando assembleias gerais por sua própria iniciativa e fazendo esforços para espalhar e fortalecer a greve. Isso representa o caminho a seguir.

O principal perigo neste momento é que os trabalhadores do setor de transportes na vanguarda da greve fiquem isolados. O governo provavelmente poderá tolerar uma greve de transporte indefinida se outros setores recuarem ou deixarem de aparecer. Se ficar desesperado, o governo pode até entrar em negociações separadas com os chefes dos sindicatos do transporte para proteger os trabalhadores desse setor do impacto das reformas previdenciárias, a fim de criar uma barreira entre eles e o resto da classe trabalhadora.

Como mencionado, os líderes sindicais não estão se esforçando para construir seriamente a greve ou atrair trabalhadores do setor privado, além de “exigir” passivamente a ação. Os trabalhadores em luta devem transformar suas assembleias gerais na base de uma liderança revolucionária, eleita de suas próprias fileiras. Em vez de simplesmente convidar camadas mais amplas da classe trabalhadora a se unirem à luta, essa liderança deve explicar politicamente aos trabalhadores que todas as suas queixas derivam do governo podre de Macron, agindo a pedido do sistema capitalista igualmente podre. O que é necessário, portanto, é um programa de ação: uma greve geral contínua para terminar o que os gilets jaunes começaram e dar um fim ao governo Macron.

É claro que o movimento dos gilets jaunes foi o primeiro capítulo de uma nova era da luta de classes na França, na qual milhões de trabalhadores chegaram a perceber seu poder potencial. Os coletes amarelos eram limitados por seu caráter heterogêneo de classe e pela falta de métodos claros da luta de classes. Agora, existe o potencial de um movimento em um nível qualitativamente mais alto, enraizado na classe trabalhadora. Se os métodos de luta dos trabalhadores forem combinados com a coragem e a ação direta dos gilets jaunes, nenhuma manobra de Macron ou dos altos escalões sindicais será capaz de deter o movimento. O que estamos testemunhando é o próximo passo em direção a uma florescente Revolução Francesa.