Holanda: vitória eleitoral de Wilders mostra a crise da política holandesa Share TweetA 22 de novembro, o capitalismo holandês e europeu foi abalado por um terramoto, com o partido do demagogo de extrema-direita Geert Wilders a ficar em primeiro lugar nas eleições legislativas nos Países Baixos, com quase um quarto dos votos. O que pensam os comunistas deste desenvolvimento?[Source]As eleições de quarta-feira, 22 de novembro, são um ponto de viragem na história neerlandesa e ocorrem num contexto de crescente insatisfação com o status quo. Como já explicamos anteriormente, o capitalismo holandês não é o baluarte estável que costumava ser. Os partidos burgueses tradicionais estão todos em declínio. Uma sondagem realizada pelo Statistics Netherlands no final do ano passado mostrou que apenas 25% dos holandeses com mais de 15 anos confiam no Parlamento e apenas 21% confiam nos partidos políticos.O país está assolado por uma “policrise” de inflação elevada, pobreza e desigualdade crescentes e uma enorme escassez de habitação. Em 2008, os bancos alimentares tinham 6 000 utentes, enquanto no ano passado esse número subiu para 120 000! De acordo com a Cruz Vermelha, no final de 2022 cerca de 400.000 holandeses precisaram de ajuda alimentar. Entretanto, anos de cortes e austeridade deixaram as suas marcas nos serviços de educação, saúde e acolhimento de crianças. Não surpreende que tenha havido um descontentamento crescente.Choque eleitoralEm julho deste ano, o quarto governo Rutte entrou em colapso. Como explicámos, esta foi uma aposta política de Mark Rutte para inverter a sorte do seu partido, a direita liberal VVD, competindo com os demagogos de extrema-direita na política anti-imigração. Rutte basicamente derrubou seu governo, para que seu sucessor, Dilan Yesilgöz, pudesse-se oferecer para liderar uma coligação de direita com a ralé de diferentes partidos demagógicos.No final, isso falhou. A raiva de uma parte considerável dos trabalhadores e da classe média foi orientada para o PVV, partido de Geert Wilders, que obteve 23,6% (37 lugares). O VVD, que era o principal partido burguês desde 2010, ficou em terceiro lugar, com 15,2% (24 assentos).Os outros parceiros burgueses da coligação de Rutte tiveram um desempenho ainda pior. O CDA, democrata-cristão que durante décadas foi o principal partido burguês, com uma base de massas, acabou com 3,3% (cinco cadeiras). O partido liberal D66, que tem principalmente uma base da pequena burguesia urbana intelectual, caiu para 6,3% (9 assentos).Além do PVV, houve ganhos para outros dois partidos demagógicos burgueses. O Novo Contrato Social (NSC) de Pieter Omtzigt, um antigo democrata-cristão que se destacou como denunciante do escândalo do subsídio de assistência à infância, obteve 12,9% (20 lugares), para um partido que só existe há alguns meses.O Movimento Cidadão Agricultor (BBB), que surgiu aparentemente do nada nas últimas eleições provinciais, já perdeu grande parte do seu ímpeto, com parte da sua base a optar por votar em Wilders. O partido juntou-se agora à maioria dos governos provinciais, mostrando-se um partido burguês regular. Ainda assim, o partido tem a maior fração no Senado (a outra câmara), pelo que procurará uma coligação com Wilders, usando esta carta negocial.A mudança para o PVVOs marxistas holandeses previram que o vácuo deixado pela crise do establishment burguês seria preenchido por demagogos de direita, pois não há uma alternativa para a classe trabalhadora. No entanto, embora este prognóstico estivesse geralmente correto, nas últimas semanas vimos uma mudança mais rápida para o PVV.A razão para isso é a aposta fracassada de Rutte. Yesilgöz apresentou-se durante os debates disponível para uma coligação com o PVV, partido de Geert Wilders, caso este abandonasse as suas posições “extremas”. Wilders imediatamente chamou o bluff ao declarar que deixaria de lado todas as suas posições “inconstitucionais”, como sua promessa de fechar mesquitas e proibir o Alcorão, bem como a sua proposta de um referendo sobre um “Nexit” (saída da Holanda da UE).Em vez disso, seria “moderado” e “realista”, para integrar um governo de direita. A mídia burguesa foi, então, inundada com alegações de que ele se havia tornado “mais brando, quando se tornou evidente que Wilders iria angariar muitos votos, o que ajudou a ampliar sua base de apoio.Mas, ao mesmo tempo, Wilders ainda conseguiu apresentar-se como a principal alternativa “anti-establishment”. Fê-lo propondo algumas reformas, como a redução da idade da reforma para os 65 anos e o fim da atual liberalização do sistema de pensões, o investimento nos cuidados de saúde para os idosos e a abolição do “risco próprio” nos cuidados de saúde: uma obrigatoriedade de 385 euros que os doentes têm de pagar anualmente à companhia de seguros para além do prémio mensal antes de cobrirem os custos. Estas foram combinadas com uma campanha chauvinista e racista contra refugiados e migrantes, culpando-os pela crise habitacional, insegurança e altos gastos governamentais.Ao apresentar-se como um opositor do “esquerdista” Mark Rutte, utilizando muita retórica de guerra cultural (especialmente contra políticas climáticas capitalistas como os “impostos verdes”), conseguiu obter o voto “antissistema” de parte da classe trabalhadora e dos pequenos empresários. Este não é apenas o caso nas vilas e cidades provinciais, mas também o foi em algumas cidades importantes, como Haia e Roterdão.O fracasso da “esquerda”Um dos principais fatores subjacentes a estes resultados é o completo fracasso da chamada “esquerda”. O facto de, após anos de governos impopulares de Rutte, os partidos de esquerda terem fracassado é mais uma manifestação da profunda crise do reformismo.Apenas um partido à esquerda obteve alguns votos adicionais, a nova coligação GroenLinks-PvdA (Esquerda Verde-Trabalhista). A sua votação conjunta ascendeu a 15,7% (25 lugares), cerca de 4,9% mais do que os resultados (que tinham sido abismais) das últimas eleições. Embora se tenham tornado o segundo partido no parlamento, é evidente que não houve uma recuperação séria após os grandes golpes que o PvdA recebeu nas eleições gerais de 2017. O “processo de fusão” em que os dois partidos estão envolvidos é apresentado por eles como apresentando uma “unidade de esquerda” mais forte, mas na verdade é um sinal de fraqueza. Em comparação, em 2012, o PvdA obteve sozinho 24,8% (38 lugares), uma percentagem superior à que Wilders obteve nas eleições atuais.O líder desta coligação de esquerda, Frans Timmermans, fez parte do segundo Governo de Rutte durante dois anos como ministro dos Negócios Estrangeiros, e até este verão era o “comissário europeu para a Ação Climática”, o arquiteto do Pacto Ecológico Europeu. Foi trazido de Bruxelas com o objetivo de fazer desta coligação o maior partido e tornar-se primeiro-ministro, o que falhou completamente.O GroenLinks-PvdA veio com um programa reformista bastante soft e prometeu aumentar o salário-mínimo, investir em melhores serviços governamentais, educação e saúde, e em habitação mais acessível. No entanto, o próprio PvdA fez parte do governo Rutte II, que levou a cabo cortes selvagens na saúde e na educação. Nos anos seguintes, o PvdA e o GroenLinks apoiaram Rutte na liberalização do sistema de pensões, na prossecução das suas inexplicáveis políticas COVID e na implementação de políticas climáticas capitalistas. Eles desempenharam o papel de flanco esquerdo do governo Rutte e eram vistos por muitos trabalhadores como parte do sistema.A campanha em si foi modesta, e Timmermans já se apresentava diretamente aberto a uma ampla coalizão com o NSC de Omtzigt e outros. A certa altura, afirmou que se deveria votar nele para evitar que Wilders entrasse em coligação com o VVD e formasse um governo de direita: por outras palavras, começou a jogar a carta do “mal-estar menor”.Timmermans teve um pequeno efeito na mobilização de algumas forças por trás da coligação partidária, principalmente uma camada de eleitores tradicionais mais velhos do PvdA e alguns ex-eleitores urbanos de classe média D66. Além disso, muitos apoiantes de pequenos partidos de esquerda e liberais decidiram apoiar Timmermans estrategicamente, pois não queriam o VVD ou o PVV. No entanto, ele não foi capaz de conquistar de volta ao partido grandes camadas da classe trabalhadora.O Partido Socialista (PS), que costumava ser uma alternativa reformista de esquerda relativamente forte até há alguns anos, está numa espiral descendente. O partido voltou a ter 3,2% (cinco lugares): o pior resultado desde a década de 1990.Embora o PS esteja ligeiramente à esquerda do GL-PvdA, especialmente com os seus planos de cuidados de saúde gratuitos com base num seguro nacionalizado, as diferenças são muito pequenas. Moderou o tom ao longo dos anos, expulsou os elementos mais à esquerda numa série de purgas e diz estar pronto para integrar uma coligação governamental nacional, não só com partidos de centro-esquerda, mas também com demagogos como o NSC e o BBB. Tem uma posição chauvinista contra os migrantes trabalhadores, o que não lhes dá nem sequer o voto da juventude de esquerda radical, nem junto das amadas mais retrógradas de trabalhadores atraídos por Wilders (que preferem votar no original do que na fotocópia). Por outras palavras, o seu programa não era nem carne nem peixe e não apelava a quase ninguém.O pequeno e radical partido de esquerda BIJ1 perdeu o seu único lugar. Embora haja algumas reivindicações radicais de classe no seu programa (muito eclético), o partido assenta fortemente em políticas identitárias, o que tem conduzido a uma crise atrás da outra em que vemos grupos de pessoas a lutar por quem tem direito a um determinado cargo com base na sua “experiência vivida” ou “falta de privilégios”. Desta vez, a campanha eleitoral foi sobretudo sobre questões identitárias e de descolonização, que ressoam apenas com uma pequena minoria. E, mesmo assim, grande parte da sua jovem base votou no GL-PvdA.Uma era de instabilidadeNo seu discurso de vitória eleitoral, Wilders deixou imediatamente claro que queria juntar-se ao Governo e está disposto a “dar o dito por não dito” e implementar os seus planos “no quadro da democracia e da Constituição holandesas”.Este é um sinal para a classe dominante de que ele está disposto a governar de acordo com os seus interesses e que não agitar ondas. A classe dominante nunca confiou plenamente em Wilders, devido às suas declarações demagógicas desestabilizadoras, mas também porque ele é o único governante de facto do PVV (o partido não tem congresso, nem sequer militantes; Wilders decide tudo) e, portanto, basicamente põe e dispõe dum quarto dos assentos no Parlamento.Uma ampla “coligação anti-PVV” seria tecnicamente possível, mas só aumentaria ainda mais o descontentamento e a raiva na sociedade. A classe dominante preferiria tentar controlá-lo e cooptá-lo. Resta saber se ele serve como seu servo obediente.Haverá agora negociações sobre a formação de um governo de direita, incluindo NSC e BBB. O VVD indicou que quer aderir apenas como um “parceiro tolerante” (apoiando o governo de fora, sem ministros) e agora mantém distância, para irritação de Wilders. Isto não significa que o VVD não apoie o novo governo. Em 2002, como partido perdedor, o VVD também inicialmente não queria juntar-se ao governo de direita do CDA com a Lista Pim Fortuyn, mas juntou-se numa fase posterior para se apresentar como o salvador da pátria. Podemos esperar algo semelhante.Isso também não significa que Wilders se tornará primeiro-ministro. Possivelmente um político mais “empresarial” será encontrado para desempenhar esse papel. O que significa, no entanto, é que teremos um governo de direita reacionária. Serão feitas algumas concessões sociais e económicas para não provocar uma reação negativa, mas podemos esperar todo o tipo de cortes e austeridade no futuro. Tais medidas são necessárias do ponto de vista do capitalismo holandês.Este não será um governo forte e popular. Haverá ainda mais polarização na sociedade. E haverá um renascimento da luta de classes. Já estamos a assistir a uma vaga de manifestações antirracistas, em parte de reformistas e liberais desconsolados que têm “vergonha do seu país”, mas também em parte de jovens de esquerda radical que querem lutar contra o PVV, mas não têm qualquer ponto de expressão política.Apesar de toda a sua postura antissistema, Wilders já está a revelar-se uma criatura do status quo capitalista. Quando os ataques começarem realmente a morder, as ilusões dos seus apoiantes do PVV da classe trabalhadora serão destruídas. Eventualmente, o novo governo enfrentará a oposição do movimento operário, com os líderes retrógrados dos sindicatos arrastados para um confronto, por pressão de baixo. Isto irá acelerar o processo.Não chores, organize-se!Como comunistas revolucionários, não nos juntamos ao coro liberal sobre a classe trabalhadora holandesa ser inerentemente racista ou estúpida. E também sabemos que não há “fascismo” ao virar da esquina. A maioria dos holandeses não votou em Wilders, e uma percentagem maior do que o número de votos que ele recebeu não votou de todo.É verdade que os elementos de ultradireita e fascistas na sociedade se tornarão mais empoderados e agressivos. Demonstrações antifascistas em Utrecht e Nijmegen já foram atacadas por elementos hooligans de extrema-direita. Temos de nos defender e estar vigilantes.Ao mesmo tempo, não devemos exagerar. Estamos a entrar numa era de maior instabilidade. Wilders não pode resolver os problemas da sociedade, por isso será exposto. A luta de classes, que avançou no plano econômico nos últimos anos, aumentará ainda mais. A classe trabalhadora continuará a organizar-se.Chegou o momento, não de lamentar, mas de organizar! Convidamos todos os comunistas holandeses a construir uma organização revolucionário-comunista nos Países Baixos. Junta-te à Revolutie!