Explosão social no Paraguai contra má gestão da pandemia pelo governo

O Paraguai está testemunhando uma explosão social. A repressão policial aos protestos em massa contra a má gestão do governo na crise da Covid-19 deixou um morto e 18 feridos na sexta-feira, 5 de março. Temendo as massas nas ruas, o presidente Mario Abdo forçou a renúncia de meia dúzia de ministros e ofereceu o diálogo. As massas permaneceram nas ruas exigindo que “todos fossem embora” (“que se vayan todos”).


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O país sul-americano havia inicialmente tomado medidas severas e conseguido manter a pandemia sob controle. Então, em julho de 2020, o governo Colorado de Mario Abdo, sob a pressão das grandes empresas, decidiu suspender as medidas de quarentena, levando a um aumento contínuo das infecções. Com a pandemia completamente fora de controle no vizinho Brasil, o sistema hospitalar do Paraguai está rapidamente ficando sem quaisquer tipos de suprimentos e leitos de UTI para pacientes com Covid-19 e outros.

Em alguns casos, parentes de pacientes tiveram que providenciar seus próprios suprimentos, comprados a preços exorbitantes no setor privado. Isso inclui até suprimentos básicos, como sedativos, para aqueles que precisam ser intubados. As famílias gastam US$ 300 por dia em suprimentos e remédios. Muitos tiveram que vender ou penhorar bens pessoais para pagar contas médicas de até US$ 9 mil.

A corrupção e a especulação na atribuição de contratos no serviço público de saúde agravaram a crise. As empresas ligadas ao partido no poder, o Colorado, receberam contratos que nunca foram cumpridos.

Nas últimas três semanas, a crise da Covid-19 atingiu seu pico, com mais de 300 pacientes necessitando de tratamento em UTI. O sistema de saúde quase entrou em colapso. O governo também fracassou na compra de vacinas, o que foi agravado pelos países capitalistas avançados açambarcando as doses disponíveis. Até sexta-feira, o país havia recebido apenas 4 mil doses da vacina russa Sputnik, uma taxa de 0,01 para cada mil pessoas.

Na semana passada, houve protestos de médicos e trabalhadores da saúde que levaram a uma série de demissões no sistema público de saúde, incluindo o chefe do Instituto Nacional de Doenças Respiratórias.

Além da raiva sobre a forma como o governo está lidando com a pandemia, também há pressão dos proprietários do sistema de transporte privado, que ameaçam aumentar suas tarifas apesar da oposição massiva do público.

Protestos em massa

Essa combinação de fatores levou a um protesto em massa na sexta-feira na capital Assunção. Antes dos protestos, o presidente Abdo pediu que seu ministro da Saúde, Mazzoleni, renunciasse, mas isso não acalmou a ira das pessoas.

A manifestação foi organizada de forma espontânea nas redes sociais sob o lema “Estou a favor de um março paraguaio em 2021”. Trata-se de uma referência ao fato de que março foi o mês em que ocorreram vários eventos políticos importantes na história do país, e que viram a irrupção das massas nas ruas: a revolução de março de 1947, a rebelião de março de 1999 e o movimento de março de 2017 contra os tentativa do então presidente Horacio Cartes de mudar a constituição para permitir que ele se candidatasse a mais um mandato.

Embora cada um desses eventos históricos tenha características e significados políticos diferentes, a ideia que os une é que as massas vão às ruas para forçar a mudança. Isso é o que as pessoas queriam quando saíram às ruas em massa na sexta-feira em uma demonstração sem precedentes de raiva contra o governo.

Muitos carregavam a bandeira nacional e grandes grupos de jovens vestiam as cores da seleção nacional de futebol. Antes dos protestos, o presidente Abdo pediu que seu ministro da Saúde, Mazzoleni, renunciasse, mas isso não acalmou a fúria do povo:

Em seguida, o governo lançou a tropa de choque contra a multidão pacífica, que incluía jovens e velhos, homens, mulheres e crianças, levando a confrontos e tumultos. A polícia usou gás lacrimogêneo e balas de borracha. Os manifestantes resistiram e, por um tempo, controlaram as ruas, com a polícia sendo forçada a recuar. No final da noite, uma pessoa estava morta e 18 feridas. A certa altura, uma seção da polícia ficou sem munição antimotim e ergueu uma bandeira branca, completamente atropelada pelos manifestantes que reagiam.

Como poderia ser previsto, o ministro do Interior, Arnaldo Giuzzio, foi rápido em culpar os “agitadores venezuelanos” pela violência, como fizeram anteriormente Moreno no Equador e Piñera no Chile, diante de protestos e revoltas em massa. A verdade é que a violência foi provocada pela ação da tropa de choque, que atacou a multidão pacífica.

Sentindo que a situação estava fugindo ao controle, no sábado, 6 de março, o presidente Abdo pediu “tranquilidade” e ofereceu a renúncia de mais três ministros. Nada disso impediu os protestos nas ruas. Milhares voltaram a aparecer em Assunção, agora sob o lema “que se vayan todos, que no quede ni uno solo” (“que vão embora todos, que não fique um só”). Os protestos do sábado foram novamente recebidos com repressão e prisões. Nada disso dissuadiu os manifestantes, que voltaram em grande número na noite do domingo. A pressão sobre o governo continua.

Os parlamentares do Partido Liberal, na oposição, iniciaram um processo de impeachment (julgamento político), mas ainda não obtiveram os votos necessários para prosseguir. Também há divisões e lutas pelo poder dentro dos colorados no governo, com a facção do ex-presidente Cartes se movendo contra Abdo.

O partido Colorado governou o país nos últimos 80 anos (incluindo 35 anos sob a ditadura de Stroessner), com apenas um breve interlúdio quando Lugo esteve no poder e foi removido por um processo de impeachment. Este é o principal partido da classe dominante e o atual presidente Abdo tem ligações estreitas com a ditadura de Stroessner, tendo seu pai sido secretário particular do ditador. No entanto, o Partido Liberal é também um partido capitalista e a substituição de um pelo outro não levaria a nenhuma melhoria substancial nas condições das massas operárias e camponesas no Paraguai.

Permaneçam na rua! Derrubem o governo!

O caráter dos protestos é o de uma explosão crua de raiva contra todos os que estão no poder e sua corrupção criminosa, o que levou diretamente à morte de centenas de pessoas durante a pandemia. Mas o movimento não tem uma ideia clara do que desejam para substituir os que estão no poder. A ideia de um julgamento político (impeachment) é vista por muitos como uma maneira rápida de se livrar de Marito, como o presidente é apelidado. Porém, se ele fosse destituído, seria substituído pelo vice-presidente, o que não mudaria nada.

Outros, como a organização de esquerda Frente Guasú, exigem a renúncia do presidente e do vice-presidente e novas eleições. Também fizeram um apelo a todas as “forças democráticas e patrióticas” à “mobilização permanente” em todo o país e ao desenvolvimento de “espaços de discussão”. É claro que a exigência de renúncia do governo e de novas eleições (“no devido tempo”) representa um rompimento mais claro com a situação atual e tornaria mais difícil para as facções coloradas aproveitarem a crise.

No entanto, a Frente Guasú apelou a “todos os atores políticos, sociais e econômicos do país para chegarem a um acordo sobre um plano de recuperação econômica”. Quem são esses atores econômicos e políticos? Por que existe uma chamada para “todos os atores”? Isso inclui o partido do governo, o Colorado, que é responsável pela situação? Na prática, eles estão conclamando os trabalhadores e camponeses a darem as mãos aos capitalistas em nome da “recuperação econômica”. O problema é que a crise econômica em que o Paraguai está mergulhado é fruto do sistema capitalista. Os capitalistas vão querer fazer com que os trabalhadores e camponeses paguem pela crise, como já vêm fazendo.

O ponto crucial agora é que o povo deve permanecer mobilizado nas ruas com uma clara demanda pela remoção do governo. As assembleias de massas devem ser organizadas em cada bairro, local de trabalho e entre os jovens, a fim de dar ao movimento um caráter mais organizado e coordenado. Não estamos falando aqui apenas de um movimento de protesto, e sim de que, na sexta-feira, o movimento adquiriu feições insurrecionais.

As organizações socialistas devem participar ativamente do movimento, como estão fazendo, mas com um programa claro e independente, baseado nos interesses dos trabalhadores e camponeses. Infelizmente, nas eleições de 2018, o P-MAS [Partido Movimento ao Socialismo] participou de uma ampla aliança com os liberais. Em vez de conciliação de classes e unidade nacional, eles deveriam promover um programa de luta de classes. Para custear o serviço de saúde, que sejam expropriadas as famílias capitalistas ligadas ao Partido Colorado e ao Partido Liberal. Abaixo o governo, nenhuma confiança nos liberais, os operários e os camponeses devem governar! Essas deveriam ser as palavras de ordem dos socialistas na atualidade.

A explosão social no Paraguai é a continuação da cadeia de levantes na América Latina que começou em 2019. Vimos o outubro vermelho no Equador em 2019, a revolta no Chile em outubro-dezembro do mesmo ano e a greve nacional na Colômbia. Esse processo foi interrompido temporariamente pela pandemia, mas voltou com o levante na Colômbia contra a violência policial em setembro de 2020, os protestos no Peru em novembro de 2020, que derrubaram dois governos, e o incêndio do prédio do parlamento na Guatemala no mesmo mês . O Haiti está em um estado constante de mobilização em massa há quase dois meses contra o governo criminoso e ilegítimo de Moïse.

Todo o continente é um barril de pólvora. Em 2020, enfrentou a crise capitalista mais profunda da história, com uma contração do PIB em toda a região. Milhões de pessoas perderam seus empregos e mais de 22 milhões estão abaixo da linha da pobreza. O palco está armado para mais explosões. O que é necessário é uma direção revolucionária capaz de levar a classe trabalhadora ao poder, à frente de todos os setores oprimidos da sociedade.

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