Bolívia: COB declara greve geral por tempo indeterminado até que Evo Morales os receba Portuguese Share TweetTrabalhadores bolivianos colocam governo de Evo Morales na parede por melhores salários, paralisam a capital do país, cercam o palácio do governo e enfrentam a polícia.Uma marcha de 10 a 15 mil trabalhadores mineiros, trabalhadores das fábricas, da construção civil, do magistério e da saúde, procedente de todos os departamentos do país paralisou na quarta-feira passada (06/04) o centro de La Paz e terminou em duros confrontos com as forças de polícia que resguardavam os acessos à Praça Murillo, sede do governo.A direção ampliada da COB (Central Obrera Boliviana) declarou greve geral por tempo indeterminado, enquanto os trabalhadores não forem recebidos pelo próprio Evo Morales, o único com o qual aceitariam debater sua petição que reivindica aumentos salariais de acordo com a cesta básica familiar e a reativação do aparelho produtivo, entre outras coisas.Homens do governo, principalmente o vice-presidente García Linera e o Ministro do Trabalho, Rojas, desqualificaram a marcha acusando a COB de “defender interesses mesquinhos e particulares” que afastariam a COB do resto do povo “colocando em perigo todo o processo de mudanças”. No entanto esta linha de tentar desacreditar a COB por meio de ataques políticos parece sempre mais impotente frente ao evidente processo de radicalização dos trabalhadores. No dia seguinte (7 de abril) uma ainda mais massiva e diversificada mobilização, à qual se somaram os estudantes, bloqueou por um dia inteiro a sede de governo.Um raio em céu azul?A marcha da quarta-feira estendia-se por aproximadamente 16 quarteirões e era encabeçada por uma sólida delegação mineira, particularmente de Oruro e Potosí. Como se pode ver no vídeo que exibimos mais abaixo, os mineiros dirigiram a multidão até a Praça Murillo passando por cima da orientação do Dirigente Executivo da COB, Pedro Montes, o qual queria levar a marcha para as imediações da UMSA evitando confrontos com a polícia.Esta radicalização do setor mineiro, criticado por todo lado por ter primeiramente apoiado o MAS (Movimento ao Socialismo – partido de Evo Morales) e depois ter rompido esta aliança, talvez seja uma surpresa para todos aqueles que nestes anos têm especulado sobre a desideologização da classe operária, seu “aburguesamento”, as novas emergências sociais (que, é verdade, são uma riqueza de nosso processo) que marcaria o caráter particular da revolução boliviana, enfim, todos aqueles que têm se colocado a buscar novas teorias contrapondo-as ao estudo minucioso e dialético da realidade.O tão abalado desempenho da macro-economia nacional tem tido um preço que está sendo pago pela classe trabalhadora do país, como é inevitável sobre bases capitalistas. Há um ano publicamos em nosso jornal El Militante um quadro explicativo do Instituto Nacional de Estatística que demonstra como nos últimos anos a quota da riqueza nacional, abocanhada pelo empresariado nacional e pelas multinacionais vem crescendo enormemente enquanto decresce a quota da riqueza nacional destinada aos salários e remunerações.Esta situação, junto com as lutas revolucionárias dos anos anteriores e com as expectativas de mudanças que a classe trabalhadora tem depositado no atual governo e em Evo Morales representam uma receita pronta para a luta de classes que na mobilização pelo salário encontra um terreno de unidade e impulso para os trabalhadores do país.O papel dos mineirosNão surpreende também que os mineiros tenham se colocado na vanguarda das mobilizações destes dias, inclusive as antecipando. Os aproximadamente 1300 trabalhadores da principal mina do país – San Cristóbal (Potosí) operada pela multinacional japonesa Sumimoto que por si só representa 30% de todas as exportações da Bolívia – estão em greve desde o final de março exigindo melhores condições salariais, de trabalho e de assistência médica depois da morte de um colega dentro da mina. As novas pontuações obtidas pela mineração têm fortalecido numérica, política e economicamente o proletariado mineiro boliviano, porém intensificando sua exploração selvagem.Em um artigo que publicamos na edição nº 11 de El Militante (dezembro de 2010) escrevíamos: “A maior exploração se evidência com o aumento dos ritmos de trabalho para cada trabalhador, o qual causa mais acidentes. Em 2006, cada mineiro (incluindo os cooperativistas) extraía em média cerca de 3,9 toneladas de mineral por ano. Hoje a quantidade está entre 6 e 8 toneladas por ano. Este dado demonstra que as minas e os mineiros estão trabalhando acima do limite. Em geral os mineiros trabalham em média 3 horas a mais por semana, em relação a 2005 (Fonte INE). E no entanto nem os salários nem a segurança trabalhista tem melhorado como se deve”.A imprensa burguesa, a mesma que ataca constantemente o governo de Evo Morales, assustada pelas milionárias perdas causadas pela greve dos trabalhadores de San Cristóbal, tem atacado os mineiros expondo ao público seus “exorbitantes” holerites, de uma média de 5 mil pesos bolivianos. Claro está! Um trabalhador que ganhe 5 mil pesos bolivianos não tem direito de se queixar nem se o trabalho o mata. A atenção da opinião pública deve ser dirigida para esses “luxuosos” holerites e não para os 2,5 bilhões de dólares que, descontando um miserável 4% que a multinacional deixa como impostos e regalias, acabam indo para o exterior.A reorganização do movimento fabrilSe na mineração (onde a presença dominante das multinacionais introduz pequenas doses de alta tecnologia combinadas com a maior exploração trabalhista) as coisas estão como acabamos de descrer, na indústria manufatureira, reflexo do capitalismo nacional boliviano, as condições dos trabalhadores é ainda pior.Apenas 15% das empresas manufatureiras legalmente estabelecidas contam com um sindicato. Isto quer dizer que em cerca de 85% das fábricas da Bolívia os aumentos salariais decretados pelo governo simplesmente nem são discutidos.Na ausência de um instrumento de unidade dos trabalhadores como o Contrato Nacional Coletivo Obrigatório por categoria – em que melhorias salariais conquistadas em uma fábrica beneficiam todo o proletariado industrial – esta situação é utilizada pelos empresários para estimular a concorrência entre os trabalhadores, mantendo salários baixos, atacando os sindicatos existentes e finalmente encobrindo com o aumento da exploração trabalhista a diminuição do emprego de tecnologias e capitais que é característica da burguesia nacional.Só para citar alguns exemplos: pensemos no que ocorreu nos anos anteriores em empresas como a Fiação Santa Mônica (HSM) de Santa Cruz de la Sierra ou na fábrica de azeite TIKA SA de Villamontes. São dois exemplos emblemáticos. O Ministro Rojas declara que o objetivo, primordial do governo é o de fortalecer a formação de sindicatos nas empresas privadas. Na HSM os proprietários declararam uma fraudulenta bancarrota para se livrarem do sindicato – que ocupou a fábrica. Enquanto que na TIKA – empresa que produzia o azeite comercializado pelo governo segundo seu “valor de uso” como diz o vice-presidente (isto é, a “preço justo”) – a gerência aposentou todos os trabalhadores que se organizavam no sindicato e exigiam o cumprimento dos aumentos salariais decretados pelo governo. Em nenhum dos dois casos as autoridades intervieram resolutamente ao lado dos trabalhadores, no caso da HSM favoreceram inclusive a liquidação da empresa.Estas são as bases da reorganização do proletariado fabril boliviano e de sua combatividade. No ano passado os trabalhadores da PIL ANDINA, empresa produtora de leite e derivados, se organizaram em sindicato. Em seu primeiro congresso o SINTRAPIL (Sindicato dos Trabalhadores da PIL, que agrupa os trabalhadores de todas as plantas no país) anunciou mobilizações exigindo respeito às leis trabalhistas bolivianas, melhoras salariais e de trabalho, ameaçando nada menos que com uma marcha até o Peru, para a sede do grupo Glória, proprietário da PIL ANDINA.Interesses mesquinhos?Agora como está a situação da classe trabalhadora do país? De que interesses mesquinhos está falando o governo? A economia não é neutra. Sobre os massacres sociais que sumariamente descrevemos acima é que se têm erguido os resultados macro-econômicos da Bolívia nos últimos anos. Os trabalhadores, os mineiros que lealmente apoiaram o governo até agora, os trabalhadores das indústrias que votaram massivamente em Evo e inclusive lutaram junto a ele nas jornadas da Guerra da Água em Cochabamba não lhe dariam as costas tão facilmente se pudessem ver o fruto de seus sacrifícios.No entanto, na frente dos trabalhadores estão: a alta disparada dos preços manipulados pelo Ministro Arce, do qual se pede justamente a renúncia; os enormes ganhos empresariais; a corrupção em todos os níveis do aparelho estatal que continua; o oportunismo da burocracia do partido e dos movimentos sociais, mais interessada em brigar por cargos que por soluções. Tudo isso se combina com uma crise de desabastecimento determinado pela sabotagem do sistema produtivo das multinacionais e empresariado privado que levou ao “gasolinazo” de dezembro de 2010. Até onde e porque os trabalhadores deveriam agüentar?“Não estamos lutando para prejudicar o processo”Ainda que na COB evidentemente existam correntes políticas que propõem uma oposição classista e intransigente ao governo até sua queda, achamos que o verdadeiro sentimento dos trabalhadores se expressa nas declarações de dirigentes sindicais. O companheiro Cesar Lugo, por exemplo, dirigente da FSTMB, depois de explicar as razões da mobilização dos mineiros bolivianos declarava ao diário oficialista Cambio: “Não estamos contra o Governo, levem isso em consideração na imprensa, que este periódico reflita que os trabalhadores não estão contra o Governo” (edição de 29/3/2011). Por sua vez, depois da marcha de ontem, o Secretário de Empregos da COB, Nicanor Baltazar, enfatizava à imprensa: “Não estamos brigando para prejudicar o processo, muito pelo contrário, queremos dar uma direção política ao Governo” (La Razon, edição digital de 7/4/2011).Que estas declarações refletem o real ambiente entre os trabalhadores o demonstra a disponibilidade ao dialogo já manifestada pelos trabalhadores, mas só, exclusiva e diretamente com Evo Morales. No entanto, esta situação ainda favorável não poderá durar para sempre, inclusive a paciência mais “cristã” tem seu limite, e os ataques à COB e à classe operária não fazem nada mais que testar tal limite.A leitura do processo revolucionário que vive a Bolívia é bem mais simples do que os escritos de tantos que nos últimos anos se enterraram ao descrevê-lo. As explosões revolucionárias que levaram o MAS e Evo Morales ao governo são frutos de um acúmulo de contradições sociais, trabalhistas, de nacionalidades oprimidas etc., que a crise do capitalismo vem aprofundando.Agora, não se pode servir a dois senhores. Nenhuma destas demandas sociais poderá ser atendida até que terra, bancos privados, minas, fábricas e grandes empresas, isto é todos os recursos do país, fiquem em mãos privadas.Isto gera caos, sabotagem, desabastecimento e fuga de capitais na economia, decepção, pessimismo, confusão na militância. Quantos militantes temos escutado afirmando que talvez a redução a 5 mil hectares da propriedade da terra é penalizadora demais para os latifundiários e que deveríamos afrouxar um pouco a corda, lhes permitir ganhar mais. O mesmo escutamos a respeito das multinacionais do gás, pobrezinhas!Não podem produzir para a Bolívia ganhando menos do que ganhariam em mercados internacionais. Sobre esta confusão elevam-se aqueles verdadeiros infiltrados – como os senadores masistas latifundiários dos quais se lhes expropriou recentemente 13mil hectares – e aqueles burocratas que representam a quinta coluna da burguesia disfarçada de “socialista”, mas que na verdade velam por seus privilégios e interesses conquistados com a luta popular.Por isso insistimos: não se trata de tempo. O que vivemos hoje na Bolívia é algo já visto e conhecido no passado e na experiência revolucionária mundial. O caos econômico, a dificuldade da classe trabalhadora em achar uma forma para redirecionar o processo, a crise capitalista que toca à porta de todos os lares bolivianos na forma da falta de emprego e aumento de preços, tudo isto põe em marcha uma espiral de decepção e desconfiança que mais cedo ou mais tarde abrirá caminho à direita.Evo Morales deve escutar o chamado dos trabalhadores e apoiar-se em sua mobilização. Expropriar, sob controle dos trabalhadores e dos camponeses, os bancos privados, minas, fábricas, terra, multinacionais, para satisfazer as demandas sociais e concretizar aquela “radicalização da democracia” que é a única forma de acabar com a corrupção.Há um apoio sem precedentes para avançar nesta direção, inclusive há dois terços na Assembléia Legislativa que o povo mobilizado outorgou ao MAS com o fim de avançar sem travas rumo ao socialismo. Para começar basta cumprir com o programa original do MAS, que permitiu a este partido conquistar a grande maioria do povo trabalhador do campo e da cidade.Os trabalhadores pela unidade revolucionária do povoA mobilização dos trabalhadores segue ampliando-se e organizando-se. No calor deste movimento por salário foram se conformando diferentes alianças intersindicais que refletem a busca de unidade no movimento operário e de seu processo de radicalização. A pressão das bases obrigou a um reposicionamento do principal dirigente, aquele Pedro Montes que serviu mais para propor e defender as posições do governo no movimento operário do que defender as posições dos trabalhadores frente ao governo. O primeiro resultado assegurado desta luta são as inevitáveis repercussões que terá no Congresso da COB que se aproxima.A intensificação da exploração trabalhista e a espiral inflacionária por um lado, os altos ganhos empresariais e o crescimento de atividades como construção e mineração pelo outro, justificam e legitimam as reivindicações salariais – se não agora, quando?Mas as reivindicações do movimento operário não se reduzem a isso simplesmente. Os trabalhadores exigem como já foi dito em princípio, a revogação do Decreto 21060, a reativação do aparelho produtivo, etc. Isso é muito correto porque se todo o povo sofre com o aumento de preços nem todo o povo poderá se beneficiar de aumentos salariais, que seja de 10%, 20% ou 30%.A experiência na qual vai se formando a nova geração do proletariado boliviano desde Outubro de 2003 até dezembro de 2010 demonstra claramente quais são as condições para que a luta dos trabalhadores tenha sucesso: paralisar realmente a economia do país – particularmente em setores decisivos como a mineração – e conseguir reunir ao redor das vanguardas do movimento operário os demais setores populares afetados pela crise. Esta é a única estratégia possível de sucesso.Para agrupar todo o povo nesta luta, nossas reivindicações não podem ser vagas e primeiramente devemos nos dotar de um programa que possa dar direção política ao processo. Aos que nos contestam que o aumento exigido pelos trabalhadores afetaria os investimentos, então os desempregados e o povo em geral, respondemos que os recursos para nosso desenvolvimento estão nos bancos privados, nas grandes empresas de todos os ramos de produção assim como a soberania alimentar está na expropriação do latifúndio que segue vigente. Aos que nos dizem que a revogação do 21060 não é viável porque deste decreto dependem um conjunto de leis como a Lei de Bancos (que permitiu a fraudulenta quebra de vários bancos como o União), de Mineração, etc., respondemos que sim, nós queremos a revogação do 21060, que queremos a revogação da Lei de Bancos e da Mineração e das demais leis com as quais se implementou o neoliberalismo e a flutuação incontrolada dos preços, porque nossa luta não foi para defender os ganhos empresariais senão pela justiça social e pelo socialismo.Para que nossas reivindicações representem uma alternativa que seja entendida como viável pelo povo afetado pela crise devemos propor isso concretamente. Lançamos a todas as organizações sociais, FEJUVEs, CONAMAQ, CSUTCB etc. propostas de Frente Única baseando-nos em um programa de defesa do processo e de seu aprofundamento até o socialismo, organizando assembléias em cada sindicato de base, abertas ao povo, para que os sindicatos de base, as CODs e as CORs [regionais da COB] convertam-se em verdadeiros canais de expressão e organização da insatisfação popular.Nosso objetivo deve ser o de ganhar a confiança de todos os setores de base lhes oferecendo um programa e canais reais de participação democrática, como Comitês de Luta e Assembléias Populares. Porque a atual mobilização é só o princípio da verdadeira batalha que se joga no terreno decisivo de todo o processo revolucionário, o terreno no qual se define seu rumo.Potosí, 08 de abril de 2011.Translation: Esquerda Marxista (Brazil)