Bangladesh: um trabalhador morto a tiros e muitos outros feridos

Após a queda dramática da ditadura de Hasina – a chamada “Revolução da Primavera de Bangladesh” – as massas de Bangladesh começaram a sonhar mais uma vez com a felicidade prometida. Mal sabiam elas o quão longe estavam do conto de fadas prometido de “felizes para sempre”.

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Os chamados líderes estudantis “revolucionários” selecionaram o ex-laureado do Nobel, Dr. Muhammad Yunus, para liderar um governo interino, e as massas tinham grandes expectativas de que isso poderia levar a uma melhora repentina em suas condições. Mas isso não aconteceu.

Efetivamente, o poder permanece nas mãos do exército e de seu chefe, Waker-Uz-Zaman, nomeado por Hasina, e que segue no cargo desde o regime anterior. Embora o próprio chefe do exército reivindique um papel na derrubada de Hasina, na verdade foram as massas – os estudantes e o proletariado – que sacrificaram suas vidas para derrubar Hasina. Por suas ações, eles forçaram os oficiais superiores do exército a expulsarem-na para preservar o regime como um todo.

Agora, apesar de todas as suas promessas de instaurar um regime democrático, o governo Yunus concedeu poderes de magistratura ao exército em nome da “Lei e da Ordem”. Isso significa que o exército pode matar e/ou prender civis, e realizar seus próprios julgamentos e executar as sentenças.

Um dos funcionários do próprio governo Yunus, o Conselheiro Jurídico Asif Nazrul, deixou claro que esses novos poderes estão direcionados precisamente à classe trabalhadora: “Estamos testemunhando atos subversivos e alteração da estabilidade em vários lugares, especialmente nas áreas industriais de todo o país. Dada a situação, o pessoal do exército recebeu poder de magistratura.”

Outro conselheiro explicou anonimamente à imprensa como o exército está sendo efetivamente utilizado no lugar da odiada polícia, que ainda está desorganizada desde a revolução: “A polícia ainda não está funcionando adequadamente. Atividades subversivas estão ocorrendo aqui e ali, enquanto as equipes do exército não são acompanhadas por um magistrado.”

Mais uma vez, embora agora sob o chamado regime “pacífico” do Dr. Yunus, a luta está se intensificando. Desta vez, aqueles na vanguarda são os trabalhadores, ou seja, o proletariado. Os trabalhadores e os pobres se juntaram à revolta em massa para alcançar uma vida melhor para si mesmos. Mas o governo do Dr. Yunus não fez nada para beneficiá-los. A realidade agora está surgindo para eles: eles estão sendo completamente traídos pelo novo regime.

Luta dos trabalhadores

Os próprios trabalhadores agora estão tomando as coisas em suas próprias mãos, usando os direitos democráticos que acreditam que lhes correspondem e pelos quais lutaram sob o regime anterior. Houve manifestações contínuas do proletariado de Bangladesh nas ruas desde que Yunus fez seu juramento como Conselheiro Chefe do governo interino.

Atualmente, a situação está se agravando após a morte de um trabalhador e pelo fato de que vários outros resultaram feridos em uma manifestação.

Um intenso movimento de trabalhadores irrompeu em Ashulia e Gazipur, ao norte de Dhaka, que é um centro proletário central e lar de 75% da indústria têxtil de Bangladesh. Em uma manifestação, um trabalhador da indústria têxtil chamado Kawser foi morto a tiros; vários ficaram feridos. Um de nossos camaradas se comunicou diretamente com Arman Hossain, um organizador de trabalhadores, para obter a imagem real do sucedido:

“O movimento começou em 7 de setembro. Os trabalhadores têm uma lista de demandas de 18 pontos; um dos principais pontos diz respeito à discriminação em relação ao recrutamento de trabalhadores do sexo masculino. Menos homens são recrutados em comparação às trabalhadoras. Há algumas razões por trás disso; como o fato de que as mulheres podem receber menos do que os homens, que elas desempenharam um papel comparativamente menor no movimento de aumento salarial do ano passado.

Outros pontos são os subsídios para refeições, o pagamento adicional para turnos noturnos, o fim do abuso físico, o fim do abuso verbal, o aumento da licença-maternidade.

Os representantes gerais dos trabalhadores se sentaram com os patrões para exigir a concessão de seus 18 pontos. As autoridades da fábrica aceitaram as demandas, mas medidas reais para implementá-las ainda precisam ser tomadas. Na realidade, a maioria das fábricas não paga seus trabalhadores há três, quatro ou até oito meses. Muitos dos donos de fábricas até abandonaram suas fábricas de roupas e começaram negócios em outros lugares. O governo, no entanto, não tomou nenhuma medida efetiva.

No final das contas, a rua é a única opção que resta para os trabalhadores. Alega-se que [a ação dos trabalhadores] é uma conspiração. Os detetives alegaram em seu relatório que há infiltração do BNP [Partido Nacionalista de Bangladesh] que está envolvido em crimes de falsificação com relação ao negócio Jhoot [Nota do editor: Jhoot é um negócio de tecido de trapos. No passado, esse negócio era controlado pela Liga Awami. Atualmente, o BNP está tentando desviar os lucros desse negócio para seus próprios bolsos, e se alega falsamente que a greve dos trabalhadores é parte dessa trama].

No final das contas, os trabalhadores são os principais a sofrer. Um trabalhador foi morto a tiros em Zirabo, em Ashulia, Bangladesh, e muitos outros foram feridos pelas forças da ordem [ou seja, o exército, que acaba de receber poderes de magistratura por 60 dias].”

Finalmente, Arman Hossain apresentou as seguintes demandas em nome dos trabalhadores:

  1. Todos os salários não pagos devem ser pagos imediatamente;
  2. Os militares devem retornar aos quartéis;
  3. A execução imediata das demandas de 18 pontos.

Publicamos esta lista de 18 pontos de demandas no final do artigo.

Facções da classe dominante disputam poder

O colapso do regime da Liga Awami deixou todo o espectro político em pedaços formados por inúmeras partes e facções em Bangladesh, enquanto diferentes alas da classe dominante lutam para garantir suas próprias posições.

Por um lado, os liberais estão completamente sem direção, como sempre. A boa vontade das massas para com seu querido, o Dr. Yunus, alcançou seus limites e as pessoas estão ficando inquietas. Enquanto isso, as forças islâmicas de extrema direita estão ganhando popularidade. Não é difícil entender a razão. É bastante natural que, como uma camada perseguida sob Hasina, existisse uma certa simpatia por eles.

Mas os islâmicos são ultrarreacionários – e seu crescimento representa um risco crescente para a esquerda. A agressão dos islâmicos à esquerda aumenta na proporção de sua confiança e o aumento do apoio a eles representa um estado de ânimo complexo.

Os islâmicos fazem um apelo simples e superficialmente atraente às massas: sob a Liga Awami, vocês sofreram pobreza e dificuldades. O regime também era secular, não islâmico e corrupto. Queremos acabar com o seu sofrimento, eles dizem, então se você quer acabar com a pobreza, leve-nos a nós, os islâmicos piedosos e honestos, ao poder.

A derrubada de Hasina desencadeou uma luta entre os capitalistas associados à Liga Awami, que têm inúmeras ligações com o Estado, e aqueles conectados ao principal partido de oposição sob seu reinado, o BNP. Ambos os lados estão trocando acusações de “conspiração” por trás de cada manifestação, movimento e greve.

Alguns alegam que o BNP está por trás do aumento da agitação, que eles estão usando isso para desestabilizar a situação a fim de antecipar as eleições prometidas. Outros alegam que há uma conspiração envolvendo aqueles conectados ao antigo regime Awami, que ainda estão ativos e não querem nada além de manchar a imagem do Dr. Yunus.

A polícia, cujas conexões remontam ao antigo regime, insiste na mentira descarada e insultuosa de que esses trabalhadores são apoiados pelo BNP.

Ambos os lados neste conflito estão mentindo para sua própria vantagem. Na verdade, os trabalhadores estão entrando em luta contra ambas as alas da classe capitalista. Os trabalhadores assumiram uma luta direta contra os patrões pertencentes à Liga Awami e, em muitos casos, estão exigindo um expurgo dos capangas da Liga Awami de seus sindicatos. Enquanto isso, há ampla evidência de que o BNP está se alinhando com os capitalistas e proprietários de terras para reprimir os trabalhadores. De fato, em 13 de setembro, a imprensa noticiou uma reunião entre os líderes do BNP e os proprietários locais de Ashulia, na qual o BNP deixou bem claro de que lado da divisão de classes eles estão. De acordo com a reportagem:

“Todos eles prometeram que se algum malfeitor externo criasse distúrbios no estabelecimento industrial, eles resistiriam unidos e o entregariam às agências de aplicação da lei. Os palestrantes disseram que, a partir de hoje, nenhum descontentamento injusto das organizações industriais será tolerado.”

A classe dominante está superpondo suas próprias lutas internas ao descontentamento justo das massas trabalhadoras. A classe trabalhadora não tem interesses em comum com nenhuma das alas da classe dominante. Para completar a Revolução da Primavera de Bangladesh, os trabalhadores, com o apoio da ala mais revolucionária dos estudantes, devem organizar seu próprio partido, para livrar o país do domínio de todas essas camarilhas burguesas.

Em seu lugar, o poder deve ser concentrado nas mãos daqueles que produzem toda a riqueza em Bangladesh, mas que são excluídos de desfrutar os seus frutos: os trabalhadores, os camponeses e os pobres.

As 18 demandas dos trabalhadores

  1. Reestruturar o conselho salarial para fixar novamente o salário-mínimo dos trabalhadores;
  2. As fábricas que ainda não implementaram o salário-mínimo anunciado pelo governo devem implementá-lo o mais rápido possível;
  3. A lei trabalhista deve ser alterada;
  4. Em caso de rescisão do contrato de trabalho ou demissão de um trabalhador após a conclusão de cinco anos de emprego, uma quantia fixa será paga igual ao salário-base; e a Seção 27 da controversa Lei Trabalhista, juntamente com outras Seções, será alterada;
  5. Todos os salários não pagos devem ser pagos imediatamente;
  6. Bônus de frequência (Tk 225), contas de tiffin [almoço] (Tk 50) e contas noturnas (Tk 100) devem ser aumentados na mesma proporção em todas as fábricas;
  7. Um sistema de fundo de aposentadoria a ser introduzido em todas as fábricas;
  8. Um aumento anual mínimo de 10 por cento deve ser fixado nos salários dos trabalhadores;
  9. A introdução de um sistema de rações para os trabalhadores;
  10. A lista negra biométrica pela BGMEA [a associação dos patrões do setor de vestuário] deve cessar; os dados biométricos dos trabalhadores devem estar sob o controle do governo;
  11. Todos os casos políticos e de assédio devem ser retirados;
  12. Medidas devem ser tomadas para impedir o uso de negócios falsos, se necessário, leis devem ser feitas a esse respeito;
  13. Contratação não discriminatória deve ser garantida nas fábricas;
  14. Compensação e assistência médica devem ser garantidas para os trabalhadores martirizados e feridos na revolução de julho;
  15. Medidas apropriadas devem ser tomadas para o bem-estar das vítimas dos acidentes do Rana Plaza e Tazreen Fashions após novas investigações para substituir aquelas conduzidas sob o regime podre de Hasina;
  16. De acordo com a Lei do Trabalho, creches devem ser estabelecidas em todas as fábricas;
  17. As demissões injustas devem cessar;
  18. O período de licença-maternidade para trabalhadoras deve ser fixado em 120 dias.