Ataque turco no Norte da Síria: por um contra-ataque revolucionário!

Depois de uma conversa telefônica com o presidente da Turquia, Recep Tayyib Erdogan, no domingo passado, Donald Trump declarou de imediato que haviam chegado a um acordo sobre a retirada das tropas americanas das áreas Curdas do Norte da Síria e que havia dado luz verde a uma incursão Turca. A partir de ontem à tarde, a invasão começou.

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Segundo os relatos, a ofensiva começou com ataques aéreos e com o bombardeio das cidades de Ras Al Ayn, Tal Abyad, Ayn Issa e Mishrafa, mas logo se espalhou para outros alvos. Também se informou que a etapa seguinte já começou, com incursões de forças turcas dentro do território sírio, junto com grupos islâmicos sírios mercenários.

As forças Curdas do YPG, que controlavam a área, estão determinadas a oferecer uma dura resistência. Mas é inegável que estarão em posição muito desvantajosa contra o exército turco, que é o segundo maior exército da OTAN.

O bombardeio já resultou em dezenas de mortes. Se os Curdos fracassarem em repelir o ataque, não há a menor dúvida de que as forças invasoras não mostrarão nenhuma piedade. Exatamente com fizeram durante a invasão de Afrin no ano passado, os fanáticos islâmicos, que agem como tropas de choque turcas, estuprarão, incendiarão e matarão aonde quer que cheguem. Milhares serão assassinados e dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças serão expulsos de suas casas.

A ofensiva só foi possível como resultado de um movimento inesperado do presidente americano Donald Trump, que, depois de uma conversa telefônica com o presidente turco Recep Tayyib Erdogan, no domingo, prometeu retirar as tropas americanas da área.

O que Erdogan quer?

Erdogan, portanto, não perdeu tempo para iniciar a ofensiva visando criar o que recentemente chamou de seu “corredor da paz”. Esse plano, que ele também apresentou na recente Assembleia Geral da ONU, implica a invasão turca de uma larga faixa de 30 (ou potencialmente de 100) milhas do Norte da Síria, a área atualmente habitada pelos Curdos da Síria, que a Turquia controlaria por procuração através de suas forças aliadas do Exército Nacional Sírio: uma força remodelada consistente de mercenários islâmicos, que faziam parte anteriormente do chamado Exército Livre Sírio. Aqui, cerca de 2 milhões dos 3,6 milhões de refugiados sírios que vivem na Turquia atualmente seriam reassentados.

Naturalmente, não há nada de pacífico na invasão de Erdogan, que, se alcançar seu objetivo declarado, terá um custo de milhares de mortos e o deslocamento de milhões de Curdos comuns que vivem na área. Na verdade, Erdogan está tratando de remodelar a composição étnica da área para instalar um protetorado árabe, que deveria agir como um “amortecedor” contra os Curdos. Isso também lhe permitiria ganhar um controle maior sobre a área ao incitar conflitos étnicos nacionais entre árabes e Curdos.

Quando chegou ao poder, Erdogan realmente se apoiou nos Curdos contra a tradicional burguesia Kemalista turca. Criticou a opressão nacional dos Curdos e abriu negociações com o líder do Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK), Abdullah Ocalan. Mas isso rapidamente mudou quando o Partido Democrático do Povo (HDP), ligado ao PKK, entrou no parlamento com 13,1% dos votos em 2015, tornando-se, assim, um ponto focal para a crescente luta de classes e estado de ânimo anti-Erdogan na Turquia.

Ao mesmo tempo, o partido irmão do PKK, o PYD (e seu braço armado, o YPG) se levantou para tomar o poder e estabelecer o que é conhecido como Rojava, no vácuo deixado no Norte da Síria depois que Bashar Assad foi forçado a se retirar diante de um movimento revolucionário com raízes na Síria Ocidental. Os bravos combatentes do YPG, lutando por se emancipar da opressão nacional, por uma pátria, e com base em ideias de esquerda e socialistas, rapidamente se tornaram os mais eficientes combatentes contra o Estado Islâmico na Síria. Isso os colocou diretamente contra Erdogan, que estava armando e apoiando o Estado Islâmico – e outros grupos islâmicos – para se preparar para suas próprias ambições imperialistas na Síria. Ao mesmo tempo, a independência Curda de facto em Rojava tornou-se um poderoso farol para os Curdos dentro da Turquia. Assim, a ascensão do movimento de libertação Curda se transformou em uma ameaça existencial para Erdogan em todos os aspectos. Enquanto isso, quando a economia turca começou a estagnar e a estrela de Erdogan lentamente desaparecia, ele se tornou cada vez mais dependente do nacionalismo raivoso e dos sentimentos anti-Curdos para manter o poder. Esta é a base da hostilidade de Erdogan em relação aos Curdos e de sua determinação para eliminar sua região autônoma no Norte da Síria.

Nas eleições locais anteriores, Erdogan viu os maiores reveses de seus quase 20 anos de permanência no poder, perdendo as eleições nas principais cidades, como Istanbul e Ankara. A economia turca encontra-se sob fortes tensões e Erdogan está perdendo terreno muito rápido à medida que a luta de classes se intensifica. Nesse contexto, a questão dos refugiados sírios se tornou um tema quente na Turquia, onde os patrões costumam se utilizam de sírios desesperados para diminuir o já escasso salário dos trabalhadores turcos. Isso foi usado pela oposição para estimular a xenofobia e o ódio contra os sírios. Muitos estão zangados com o fato de Erdogan estar gastando bilhões com sua intervenção na Síria, enquanto os padrões de vida caem drasticamente na Turquia. Ao despejar refugiados sírios nas áreas Curdas, ele pode, simultaneamente, resolver o problema econômico de cuidar deles, silenciar seus críticos em casa e ganhar uma importante vitória militar em uma aventura imperialista, que até agora só levou a contratempos e humilhações. Se ele conseguir manter um protetorado no Norte da Síria, poderá usá-lo para estimular o nacionalismo e reunir as camadas mais reacionárias em torno de seus planos neo-Otomanos. Na realidade, contudo, o que isso revela não é o fortalecimento de Erdogan, mas o processo de seu enfraquecimento, que testemunhamos nos últimos anos. Desesperado para sustentar sua posição, ele é forçado a correr riscos, o que pode facilmente lhe sair pela culatra, assim como todas as suas ambições de intervir na região lhe saíram pela culatra.

Trump e a crise do imperialismo americano

Depois de sua declaração sobre a retirada das tropas americanos, Trump passou por um enxurrada de tuítes e declarações que pareciam defender, além de pedir desculpas por suas ações. Primeiramente, ele defendeu sua decisão declarando que a Turquia é um importante parceiro comercial e membro da OTAN. Em seguida, ele disse que continuaria apoiando os Curdos e que “se a Turquia fizer qualquer coisa que eu, na minha grande e inigualável sabedoria, considere estar fora dos limites, destruirei totalmente e eliminarei a Economia da Turquia (como já fiz antes!)”. Depois ele disse que a presença dos EUA no Oriente Médio foi o maior erro da história da nação e que “Agora, lenta e cuidadosamente, estamos trazendo de volta nossos grandes soldados para casa. Nosso foco está no GRANDE QUADRO! OS EUA SÃO MAIORES DO QUE NUNCA!” Ontem, ele parecia estar defendendo suas ações porque os Curdos, aparentemente, não ajudaram os EUA durante a II Guerra Mundial.

Naturalmente, essas declarações maníacas dizem algo sobre o estado da mente de Trump, mas também refletem as divisões internas dentro da classe dominante dos EUA e a crise do imperialismo americano. Essas divisões já se haviam revelado anteriormente, na Guerra Civil síria, onde, por exemplo, as forças islâmicas apoiadas pela CIA e as forças Curdas apoiadas pelo Pentágono se enfrentaram em torno das cidades de Azaz em 2016 e em muitas outras ocasiões. Mas esse conflito foi enterrado e um “cessar fogo” entre as duas alas do establishment existia de facto – enquanto nada se movesse na Síria. Mas, mais cedo ou mais tarde, uma decisão tinha que ser tomada: ou os EUA se entrincheirariam profundamente na Síria, ao custo de um conflito mais grave com a Turquia e provavelmente uma derrota mais à frente, ou se retirariam, ao custo de fortalecer a Rússia e o Irã. Nunca houve uma coisa “certa” a fazer do ponto de vista dos imperialistas. No entanto, o conflito agora entrou em erupção mais uma vez.

Enquanto Trump estava declarando que os EUA se retirariam da Síria (embora sem dar um prazo concreto para tal retirada) o Washington Post informava que “Por trás da cena, funcionários do Departamento de Defesa e do Departamento de Estado corriam para tranquilizar outros aliados dos EUA operando na Síria – principalmente a França e a Grã-Bretanha – de que somente um punhado de tropas americanas estavam sendo removidas e que a presença e a missão da força total de cerca de 1.000 americanos no Norte da Síria permaneceriam intocadas”. O Pentágono, que quer usar as forças Curdas como um baluarte contra a disseminação da influência russa e iraniana, também sabotou claramente a retirada e arrastou as questões o máximo possível.

Além disso, os políticos de ambos os partidos americanos no congresso criticaram Trump. O Republicano de direita Lindsey Graham se juntou aos Democratas para aprovar uma lei que sanciona as forças armadas da Turquia e o próprio Erdogan. Outros falcões, como Marco Rubio e Adam Kinzinger, criticaram fortemente a decisão. No contexto de um impeachment iminente e das eleições presidenciais do próximo ano, o apoio desses Republicanos é crucial para Trump. Do ponto de vista dessas pessoas, uma retirada da Síria será uma admissão de derrota para a Rússia e o Irã. Poderia ser também uma humilhação internacional, abrindo o flanco do imperialismo americano a ataques – tanto dos inimigos como também dos aliados, que não podem mais confiar que o imperialismo americano os respaldará.

E têm razão. Mas, como Trump também apontou corretamente, os EUA gastaram trilhões de dólares e tiveram milhares de soldados mortos em guerras no Oriente Médio, lutando pelos outros, como os governantes europeus e do Golfo. A campanha na Síria não é diferente. Ele também apontou que os EUA está mantendo dezenas de milhares de prisioneiros do Estado Islâmico nos territórios Curdos, os quais, de outra forma, escapariam para a Europa, mas as potências europeias somente participam da intervenção americana na Síria de forma muito limitada. Agora, esses prisioneiros do Estado Islâmico provavelmente serão libertados e, de acordo com Trump, serão o problema da Europa. Enquanto isso, todas essas guerras deixaram a classe dominante americana com uma dívida pública multibilionária e uma profunda crise política e social. As massas americanas estão cansadas da guerra e Trump prometeu retirar tropas americanas do Oriente Médio em sua campanha eleitoral, algo que ele pretende cumprir na véspera de sua reeleição.

Trump não vê muita utilidade para os Curdos, que ocupam uma terra árida com uma economia subdesenvolvida e que são de pouca importância internacional. Por outro lado, ele vê como a presença americana na Síria está empurrando a Turquia – um importante aliado da OTAN, onde os EUA têm armas nucleares e uma base aérea – para os braços da Rússia e do Irã. Nos últimos anos, Erdogan esteve desviando seu caminho do imperialismo dos EUA. Isso ficou particularmente claro durante a ascensão do Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Os EUA viam a organização como uma ameaça à estabilidade da região, enquanto a Turquia e outros aliados dos EUA no Golfo a estavam suprindo de apoio financeiro e logístico para tentar derrubar Assad e afastar a influência iraniana do Iraque, depois do que eles pensavam que poderiam varrer e instalar regimes fantoches amigáveis.

Mas, incapaz de mobilizar quantidades significativas de tropas para lutar contra o Estado Islâmico, o imperialismo americano foi forçado a se apoiar em outras forças. No Iraque, por exemplo, foi forçado a se apoiar na rede de milícias do Irã. Mas vendo como tudo isso alienou os aliados dos EUA no Golfo, começou a se apoiar nas milícias ligadas ao PKK na Síria, como um contrapeso ao Irã e, mais tarde, à Rússia. Mas isso alienou a classe dominante turca, que vê uma ameaça existencial em qualquer possível independência Curda e que também tem grandes planos imperialistas para o Norte da Síria e do Iraque. A crise que se seguiu colocou a Turquia e os EUA em dois campos opostos na Guerra Civil síria, e finalmente também levou a Turquia a construir laços mais estreitos com a Rússia e o Irã. Trump acredita que, ao sair da Síria e deixar os Curdos, pode reforçar uma aliança com Erdogan.

No entanto, o Congresso dos EUA acredita que isso é uma admissão de derrota – uma concessão à Rússia e ao Irã – e uma humilhação internacional. E têm razão. A Rússia e o regime de Assad, ladeados pelo Irã, estão prontos para se mover, desarmar os Curdos e expandir sua influência na Síria. Uma influência que os russos em particular estão utilizando para se tornarem um poder decisivo na região à custa dos EUA. Mas não é essa a cantiga de Trump. Trump está apenas aceitando a realidade – da mesma forma que Obama quando fez um acordo nuclear com o Irã – de que o imperialismo americano está em crise e alcançou um limite. Sua crise econômica, política e social não lhe permite intervir militarmente como deseja.

Ao mesmo tempo, está naturalmente claro que um acordo foi alcançado entre Trump e Erdogan: um quiproquó que conheceremos no próximo período. Estando extremamente isolado na classe dominante americana, Trump sempre está buscando pontos de apoio, como o que tem com o príncipe herdeiro saudita Muhammad bin Salman e com Benjamin Netanyahu (embora pareça que Netanyahu esteja prestes a ter as asas cortadas).

Hipocrisia

Seja o que se pense de Trump, de todos os políticos burgueses, ele é o mais honesto sobre seus objetivos e intenções reacionárias – e é precisamente por sua honestidade que a burguesia o odeia tanto. Tudo o que os políticos ocidentais falam dos direitos democráticos do povo Curdo não é nada além de uma cobertura para os seus próprios e estreitos interesses. Apenas alguns anos atrás, as mesmas forças Curdas eram etiquetadas como terroristas. De fato, o PKK, que é a organização irmã do PYD, permanece na lista de terroristas dos EUA e da União Europeia.

Os reacionários governantes sauditas, junto com seus títeres egípcios, se opuseram à operação turca. Mas, como a maioria das pessoas sabem, isso não se deve ao interesse particular de Muhammad bin Salman ou de Abdelfattah al-Sisi sobre os direitos democráticos dos Curdos, mas porque os sauditas viam os Curdos como um potencial representante anti-Iraniano. Eles, junto com Israel, inclusive utilizaram recentemente bases aéreas Curdas para atacar as milícias respaldadas pelo Irã no Iraque. Ademais, os sauditas veem a Turquia como um concorrente em ascensão pela supremacia na região, em particular pelo domínio das áreas com base sunita. Al-Sisi, naturalmente, está mais motivado a lutar contra o imperialismo turco devido ao apoio que este brinda aos seus inimigos da Irmandade Muçulmana em casa.

Aparentemente, o Conselho de Segurança das Nações Unidas também se reunirá para debater sobre a Síria hoje, a pedido dos cinco membros europeus: Grã-Bretanha, França, Alemanha, Bélgica e Polônia. Mas, que mais palavras levarão à mesa de debates essas damas e cavalheiros? Como Donald Trump assinalou muitas vezes, se os europeus realmente estão preocupados, são mais que benvindos para aumentar sua presença militar na área e assumir o trabalho que os EUA estiveram fazendo. Mas, naturalmente, os líderes da União Europeia prefeririam manter uma distância segura das guerras e do derramamento de sangue, dos quais se beneficiam. Sua patética hipocrisia e impotência é talvez a mais vil de todas. Foi só em 2016 que a União Europeia concordou em pagar bilhões de euros a Erdogan, em troca de que a Turquia bloqueasse o fluxo de refugiados sírios que cruzam a Turquia com destino à União Europeia. Hoje este último advertiu que, se a União Europeia classificasse sua operação como uma invasão, abriria as vias fluviais e permitiria que milhões de refugiados ingressassem de seu território à Europa.

A difícil situação do povo Curdo

Os interesses das classes dominantes, independentemente de onde se encontrem, são diametralmente opostos aos das massas pobres e oprimidas. Como sempre, as nações “menores” são pequenas moedas de troca nos jogos e nas lutas entre as grandes potências. Uma vez usadas, não têm reparos em esmagá-las ou em permitir que outros o façam. Os EUA, a União Europeia, a Rússia, o Irã, o regime de Assad e mesmo Erdogan prometeram aos Curdos alguma forma de apoio em certos momentos. Mas todos traíram os Curdos tão logo lhes foi conveniente.

Estas são as lições que as massas Curdas estão aprendendo da forma mais difícil possível. Mas seria um erro ainda maior para os líderes Curdos continuar por esse caminho de se basear no apoio das forças imperialistas. Nos últimos dias, se aproximaram de todas as grandes potências imperialistas possíveis de obter apoio. De início, se aproximaram da Rússia e do regime de Assad para obter apoio contra a Turquia. Naturalmente, esses poderes estariam mais que felizes em “ajudar”, sob a condição do desarmamento do YPG, do desmantelamento total de todas as estruturas autônomas e das conquistas democráticas que os Curdos lograram na Síria. Não seria mais do que uma rendição total.

Ao mesmo tempo, Ilham Ahmed, co-presidente do Conselho Executivo de Rojava, viajou à Europa, onde realizou uma conferência de imprensa no Parlamento Europeu, instando a União Europeia a não “abandonar” os Curdos e pedindo-lhe “estabelecer uma zona de exclusão aérea para castigar a Turquia por violar o direito internacional”. Mas os líderes da União Europeia não estão interessados nos direitos dos Curdos, nem em qualquer outra coisa, exceto nos interesses de sua própria burguesia. Foi apenas em 2015 que a Turquia fez um acordo sujo com a União Europeia para manter os refugiados longe das fronteiras da União Europeia em troca de uma enorme soma de dinheiro, e que a chanceler alemã, Angela Merkel, visitou a Turquia e apoiou a campanha eleitoral de Erdogan enquanto este realizava uma sangrenta guerra contra os Curdos na própria Turquia.

Não se passaram nem dois anos desde que a Turquia invadiu o cantão de Afrin na Síria, que estava nas mãos do PYD. Naquele momento, o Pentágono declarou “não consideramos [os Curdos] como parte de nossas operações para ‘Derrotar o Estado Islâmico’, que é o que estamos fazendo ali, e não os apoiamos. Não estamos absolutamente envolvidos com eles”. Mais tarde, agregou que “Esperamos que a operação em Afrin termine rapidamente e dissemos que sabemos que a Turquia faz tudo o que é possível para limitar as vítimas civis. Não temos nenhuma dúvida sobre os esforços nesse sentido”. Isto é, o Pentágono esperava uma vitória rápida da Turquia! A União Europeia, naturalmente, chorava lágrimas de crocodilo como de costume, mas o então Ministro do Exterior britânico, Boris Johnson, insistiu em que a “Turquia tem direito a querer manter seguras suas fronteiras”. Enquanto isso, a Alemanha continuou abastecendo armamento avançado à Turquia e à Rússia, que havia sido uma força para a “manutenção da paz” em Afrin e que logo se retirou rapidamente e abriu o espaço aéreo sírio para que os aviões turcos chovessem destruição sobre as cabeças de dezenas de milhares de pessoas inocentes. Enquanto isso, as forças Curdas, mal equipadas, que lutaram com valentia, não tiveram nenhuma possibilidade contra a máquina militar turca em uma batalha frontal. A única solução teria sido construir um movimento na Turquia e apelar ao instinto de classe dos soldados turcos, tentando romper o exército turco em linhas de classe, mas isto parece ser um livro fechado para os líderes do PYD e do PKK.

E ainda assim, mesmo depois dessas experiências, os líderes Curdos continuaram com sua dependência de várias potências capitalistas. Naturalmente, não há nada de mal em um movimento revolucionário que explora as divisões entre os imperialistas. Mas é um erro fatal basear-se nessas potências e convidá-las a entrar!

De fato, essa tática nunca trouxe muito ao movimento Curdo. Em cada etapa, os principais passos a frente do movimento de libertação Curdo se basearam no movimento revolucionário e de classe das massas e não na colaboração com os imperialistas. Na Turquia, o movimento ganhou terreno quando o HDP adotou um programa para toda a Turquia (isto é, não se limitando às áreas Curdas), e se baseou em discursos radicais e demandas baseadas na classe. Pela primeira vez desde a década de 1980, começou a se fechar a brecha que a classe dominante havia aberto entre os trabalhadores curdos e turcos e foi isto que se converteu em uma ameaça existencial potencial para Erdogan. Também na Síria, como já dissemos, foi a revolução síria que, de fato, foi mais forte no oeste do país, criou um vazio de poder, o que permitiu que o PYD assumisse o controle da zona.

O apelo do movimento Curdo, baseado em estruturas democráticas e em uma perspectiva revolucionária, se espalhou muito além das áreas Curdas e inspirou milhões de trabalhadores, pobres e jovens no Oriente Médio e mais além. Mas, em vez de se basear nesse potencial revolucionário, os líderes curdos tentaram se basear em manobras entre uma potência imperialista após outra. E, ao fazê-lo, tiveram que fazer também concessão após concessão.

No Iraque, onde centenas de milhares de jovens buscavam no movimento do PKK e na estrutura do conselho de Rojava uma referência política, está claro que a liderança do PKK chegou a um acordo de fato com o Irã, o que significa que o PKK não gasta recursos para construir uma organização de massas lá (um “entendimento” que, mais ou menos, também cobre o Irã). De fato, no Curdistão iraquiano, o PKK apoiou as organizações reacionárias liberais e burguesas em vez de lutar com um programa audaz e independente. Sua organização de milícias iraquianas, a YBS, também recebeu fundos e salários do governo central iraquiano. Pelo menos em um ponto era considerado como membro das Unidades de Mobilização Popular: um órgão de controle dominado pelo Irã, composto principalmente por milícias reacionárias xiitas.

Também na Turquia, o HDP, dominado pelo PKK nas áreas curdas da Turquia, tinha o poder de fato em uma série de regiões e em grandes cidades como Cizre, Silopi, Hakkari e Sirknak. Quando Erdogan começou sua guerra contra os curdos em 2015, as massas da zona se levantaram e estavam dispostas a lutar até o fim, mas os líderes do PKK, que tinham muitas armas, recursos e a experiência da guerra na Síria, se negaram a armar a população ou mesmo a convocar uma greve geral, por medo de se inimizar com seus aliados, principalmente com os Estados Unidos. Também empurraram o HDP para uma linha nacionalista mais curda que somente serviu aos interesses de Erdogan de impulsionar o nacionalismo para bloquear a crescente luta de classes na Turquia. No final, a guerra de Erdogan provocou o deslocamento de dezenas de milhares de curdos turcos devido à guerra e à demolição de grandes áreas, com povoados e aldeias inteiras arrasadas. Esta foi uma derrota significativa para o movimento de libertação e levou a uma grande desmoralização entre os curdos.

Também na Síria, as múltiplas concessões dos líderes do movimento o minaram. Em Afrin, como já explicamos, os líderes pensaram que a Rússia os protegeriam, mas Putin os vendeu sem hesitar. Não lhe importam os direitos das minorias nacionais na Rússia e muito menos na Síria. Os líderes do PYD também outorgaram várias outras concessões ao imperialismo americano, como a de se aliar com as forças reacionárias tribais Shammar e outros grupos reacionários trazendo-as às Forças Democráticas Sírias (o principal exército oficial de Rojava) e diluindo a Constituição de Rojava em várias ocasiões. Líderes, como Ilham Ahmed, visitaram o Congresso dos EUA, comprometendo-se com reacionários Republicanos como Paul Ryan e chegaram a entrar em contato com a Arábia Saudita visando colaboração em várias ocasiões. Além disso, foram freadas as atividades revolucionárias do PKK na Turquia, no Iraque e em outros locais para não molestar seus aliados. Tudo isso só serve para minar a autoridade revolucionária do movimento diante dos olhos das massas do Oriente Médio: os únicos aliados reais do povo curdo. Inclusive em junha passado, a pedido dos EUA, concordaram em retirar sua artilharia pesada das áreas fronteiriças com a Turquia e em permitir patrulhas conjuntas entre os Estados Unidos e a Turquia na área! Mas, como admitiu um funcionário do Pentágono: “Dedicamos tempo e esforços consideráveis para construir a zona de segurança com a expressa ideia de que apaziguaria os turcos e evitaria uma incursão. Os turcos a utilizaram como uma forma de realizar um reconhecimento para sua operação. Isso foi completamente enganoso de sua parte”. Só um bobo se surpreenderia com o jogo enganoso de Erdogan.

Em seu apogeu, o movimento do PKK controlava uma grande franja de terra, cobrindo a maior parte da fronteira sul da Turquia, indo desde Afrin, interrompida por forças aliadas aos turcos, continuando logo desde Manbij através do Norte da Síria, o sudeste da Turquia e o norte do Iraque, onde a organização controlou as principais áreas da região de Dohuk e as montanhas Qandil que se limitam com o Irã. Esta poderia ter sido a plataforma para uma luta revolucionária, em primeiro lugar para a libertação curda (um apelo que teria ecoado fortemente em todas as áreas curdas) e mais ainda para um levantamento de todos os povos oprimidos da Síria, Turquia, Irã e Iraque, onde os curdos se encontram. Mas, como vimos, usando as desculpas de “estarmos demasiado ocupados na Síria” e “não queremos abrir demasiadas frentes” e baseando-se na ideia de simplesmente lutar pela “autonomia” (seja lá o que isso signifique), dentro dos estados (capitalistas) existentes, a organização se negou a fazer isso. No entanto, na realidade isto simplesmente esconde o desejo dos líderes do PKK de chegar a um acordo com a burguesia. Mas os interesses da burguesia são diametralmente opostos aos dos milhões de curdos pobres e oprimidos. Nenhuma quantidade de manobras inteligentes pode mudar isso. Os que estão sendo enganados não são a burguesia, mas os líderes curdos, que pensaram que haviam descoberto a chave de seu reconhecimento através de acordos com os capitalistas.

Por uma guerra revolucionária contra a agressão de Erdogan

Mas agora estão sendo vendidos, junto com o restante do povo curdo: um acontecimento totalmente previsível. Agora, a tragédia espera mais uma vez aos curdos, como já a provaram tantas vezes nos últimos 100 anos. A única forma de evitar isso é não celebrar conferências de imprensa nos prédios da administração da União Europeia, mas voltando às tradições revolucionárias do povo curdo e apelando à solidariedade de classe das massas na região e internacionalmente. Em primeiro lugar, deve-se fazer um apelo a uma greve geral nas áreas curdas da Turquia, junto ao armamento popular e de suas organizações nos comitês de autodefesa de trabalhadores e bairros. Deve-se levar a guerra à Turquia de forma revolucionária e de classe e não através de ataques terroristas contraproducentes, que somente servem para fortalecer o controle de Erdogan sobre a sociedade turca. Em seguida, os curdos devem romper publicamente com o imperialismo americano, que é odiado em toda a região. Depois, devem apelar aos sindicatos e às organizações dos trabalhadores em toda a Turquia para se unirem a sua greve pelo fim da guerra, mas também fazer uma declaração para unirem-se a uma luta mais ampla contra o regime de Erdogan, por salários, empregos, atenção médica, educação e outras reinvindicações econômicas e sociais. Isto seguramente encontrará um amplo eco na Turquia, onde a qualidade de vida está baixando rapidamente sob o impacto da crise econômica.

Também se deve apelar clandestinamente aos quarteis e acampamentos militares turcos para uma luta conjunta pela coexistência pacífica, expondo a natureza reacionária de Erdogan e seus ataques contra os trabalhadores e pobres turcos. É claro que Erdogan está muito nervoso com o deslocamento de soldados turcos na batalha, por medo de que a ira e a insatisfação geral na sociedade turca também se reflitam no exército. É por essa razão que toda a luta inicial parece estar sendo realizada por mercenários jihadistas. Isto confirma que Erdogan é débil em casa e que há um caminho ao exército turco, que só pode ser derrotado pelos curdos se for rompido em linhas de classe. Sobre uma base revolucionária, frente à resistência armada das massas na Síria e na Turquia, o exército se veria submetido a uma enorme pressão e surgiriam as condições para os motins de classe.

As mesmas ações devem ser adotadas em toda a região, em particular no Iraque, Irã e Síria, onde o apelo por uma luta unida contra os odiados regimes encontraria um amplo eco. No Iraque, na semana passada, já houve protestos massivos e radicais contra o regime. Também no Irã as massas estão fartas do regime dos mulás.

Ademais, as greves dos estivadores na Europa contra o envio de armas à Arábia Saudita mostram que existe o potencial para a ação de solidariedade da classe trabalhadora no ocidente. Os sindicatos e os partidos operários deveriam começar imediatamente a organizar boicotes e greves contra o envio de armas e recursos utilizados para alimentar a máquina de guerra turca.

Se se toma esse curso de ação com audácia e decisão, os curdos podem vencer ao exército turco. Mas se os líderes curdos continuarem mirando para os imperialistas e burgueses, a derrota é garantida de uma forma ou outra. As massas curdas demonstraram mais de uma vez que estão dispostas a lutar até o fim. É hora de levar essa luta a sua conclusão, levando-a aos regimes capitalistas que os estiveram oprimindo durante os últimos 100 anos.

  • Abaixo a guerra de agressão turca contra Rojava!
  • Abaixo os imperialistas e todos os cúmplices dessa atrocidade!
  • Viva a solidariedade internacional da classe trabalhadora; organizar boicotes e greves contra o envio de armas!
  • Pela transformação do ataque imperialista em uma guerra revolucionária de libertação!
  • Por um Curdistão socialista independente como parte de uma Federação Socialista do Oriente Médio!

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