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A Grã-Bretanha, em particular, está em meio a um turbilhão. A classe dominante perdeu o controle sobre seu próprio regime e pode ver claramente que se move rápido em direção ao desastre. Em meio a essa crise, o governo trabalhista liderado por Jeremy Corbyn tem possibilidade de chegar ao poder com um programa que acabe com a austeridade.

Hoje, mais do que nunca, os socialistas precisam estudar as lutas dos trabalhadores ao redor do mundo e tirar delas importantes lições para a luta contra a austeridade. Podemos aprender muito a partir da classe trabalhadora grega, que viveu os cortes mais cruéis, as lutas mais inspiradoras e a mais trágica derrota em sua história recente.

Origem: Europa

A partir do seu epicentro em Wall Street, a crise de 2008 abalou o mundo. Mas suas ondas de choque foram sentidas de modo particularmente mais forte na Europa. Inicialmente considerando a crise financeira como uma “doença anglo-saxã”, toda a zona do euro se viu presa a uma sucessão de crises. Irlanda, Portugal e mesmo economias maiores como a Espanha e a Itália foram abaladas por uma avalanche de débitos, mas foi a pequena Grécia que acabou soterrada.

O que casou a crise? “Gregos preguiçosos”, vociferaram os tabloides alemães. Até mesmo Angela Merkel afirmou: “Trata-se também de não ser possível se aposentar mais cedo em países como Grécia, Espanha, Portugal e Alemanha”. Toda a culpa pela crise foi depositada sobre os ombros dos trabalhadores e pensionistas mediterrâneos, uma demonstração comovente da solidariedade europeia.

A causa da crise, no entanto, nada tinha a ver com os trabalhadores de qualquer país. Ela foi construída nas fundações do euro. A moeda única colocou as economias mais fracas sob o domínio das mais fortes, ao mesmo tempo em que tirava delas a habilidade de desvalorizar suas moedas e baratear suas exportações. Produtos alemães rapidamente inundaram os mercados do sul da Europa. O efeito disso na indústria grega, em particular, foi devastador. Entre 2000 e 2011, a produção industrial alemã cresceu 19,7%, enquanto a grega caiu 29,9%.

Mas além do lucro produzido pela indústria alemã, os titãs financeiros europeus também realizaram um massacre. O estabelecimento do euro foi seguido por uma orgia de empréstimos dos bancos franceses e alemães, os quais não estavam limitados simplesmente aos consumidores e proprietários imobiliários. Os grandes bancos europeus deliberadamente visaram os Estados mais fracos do sul da Europa, pois poderiam cobrar juros mais altos do que se emprestassem para potências como a Alemanha.

Isso produziu um círculo vicioso de produção de lucro, por meio do qual os bancos franceses emprestaram dinheiro para comprar produtos alemães e patrões gregos corruptos roubaram milhões através de contas no exterior. Mas tudo o que é bom um dia chega ao fim. Assim como nos EUA, onde bilhões de dólares em empréstimos repentinamente se transformaram em um imenso buraco na contabilidade dos bancos, na Europa a crise foi ainda mais longe, ameaçando Estados inteiros que também haviam se convertido em tomadores de empréstimo de alto risco.

O resgate

Tendo no passado se conectado a um fluxo de crédito fácil, o Estado grego descobriu que, apenas para manter sua gigantesca soma de débito no valor de € 300 bilhões, teria que emprestar, com taxas de juros na casa dos 10%, em uma época em que a economia não estava crescendo, mas encolhendo. Após ter produzido lucros espetaculares para bancos franceses, monopólios alemães e ricos sonegadores gregos, a Grécia agora estava falida.

No momento em que os títulos gregos ganhavam estados de “papel podre” em 2010, seu valor caiu 82% em comparação com o período anterior à crise. Isso era um pesadelo para os bancos europeus que detinham mais de € 200 bilhões em títulos da dívida grega. Se a Grécia desse calote, como o Lehman Brothers fez em 2008, não seria somente o capitalismo grego que iria pagar o preço. O coração do sistema bancário europeu entraria em colapso. A Grécia jamais seria capaz de pagar seus débitos, mas jamais se poderia permitir que ela desse calote.

A solução foi o “Primeiro Programa de Ajuste Econômico para a Grécia”, assinado em maio de 2010. A partir desse resgate, o Estado grego recebia uma “ajuda financeira” de € 107,3 bilhões do Eurogrupo e do FMI, 91% dos quais foram direto para os bancos. Em contrapartida, o primeiro-ministro “socialista” teve que assinar um programa de reconstrução brutal que incluía cortes e privatizações a fim de limitar o débito grego a 3% do orçamento estatal. As massas gregas seriam forçadas a pagar bilhões de euros em resgates que elas jamais veriam e por uma crise que elas não causaram.

Hoje em dia está na moda falar da União Europeia (UE) como um triunfo de solidariedade entre as nações europeias. Nada poderia ser mais falso. É preciso utilizar o verdadeiro nome: imperialismo. Em meio à Primeira Guerra Mundial, Lenin caracterizou o imperialismo como a “dominação do capital financeiro”, o que significa “um número menor de Estados financeiramente poderosos que se sobressaem em relação aos outros.” O que vemos na Grécia hoje? Uma nação inteira liquidada para que sejam protegidos os interesses de um punhado de bancos franceses e alemães. Isso nos dá uma dura lição sobre a real natureza do “projeto europeu”.

Colapso

O resgate pode ter salvado os bancos europeus, mas se mostrou desastroso para a economia grega e para os padrões de vida da população. Entre 2010 e 2014, a economia despencou 25%, o que significa que, apesar de levar a cabo cortes profundos, a relação dívida-PIB do Estado grego subiu de 146% para 179%. Entre 2008 e 2012, os salários do setor privado caíram mais de 50%.

Uma crise econômica tão profunda, junto a políticas de austeridade selvagens, produziu uma crise humanitária na Grécia. Em apenas quatro anos, os gastos públicos em saúde diminuíram em mais da metade. No mesmo período, os abortos espontâneos triplicaram. A incidência de HIV/AIDS dobrou entre 2010 e 2012, quando o governo temporariamente parou de distribuir seringas. A taxa de suicídio aumentou em mais de um terço: esse foi o custo humano pago em consequência de uma taxa de desemprego de 58,21% entre os jovens em 2013 – mais da metade de todos os jovens adultos.

Mas a crise não se limitou à juventude. Em 2012, um aposentado grego cometeu suicídio em frente ao prédio do parlamento na Praça Sintagma de Atenas, deixando um bilhete dizendo que o governo “anulou qualquer esperança para minha sobrevivência e eu não poderia ter qualquer justiça”.

A classe dominante europeia travava uma guerra civil contra os trabalhadores, aposentados e jovens da Grécia. Mas esse massacre não foi aceito silenciosamente pelas massas. Sua luta foi e ainda é uma inspiração para os trabalhadores de todos os lugares.

Luta heroica

As perversas medidas de austeridade levadas a cabo pelo governo do Partido Socialista (Pasok) levaram à já instável situação política ao ponto de ebulição. Dias após o primeiro-ministro Papandreou assinar o documento estabelecendo as condições do resgate, uma greve geral de 24 horas paralisou o país. Naquele dia, 500 mil pessoas marcharam por Atenas, na que foi considerada a maior manifestação na Grécia desde a queda da junta militar em 1974. Um grupo de manifestantes chegou a tentar ocupar o prédio do parlamento e o Ministério das Finanças foi incendiado.

Mais tarde, em 2011, inspirados pelo movimento Indignados, na Espanha, e pelas revoluções no Egito e na Tunísia, milhares de manifestantes ocuparam a Praça Sintagma em Atenas e organizaram uma assembleia popular exigindo o cancelamento da odiada austeridade, a recusa ao pagamento de parte dos débitos, a taxação dos ricos e a adoção de uma nova constituição. A ocupação duraria cerca de 2 meses, terminando só em agosto. Questionados por um canal de TV grego, 95% das pessoas disseram ter uma opinião favorável sobre o movimento.

Sob imensa pressão, o governo do Pasok tentava simplesmente resistir. Em 31 de outubro de 2011, Papandreou anunciou um referendo para decidir sobre a aceitação das demandas do FMI, do Banco Central Europeu (BCE) e da Comissão Europeia – conhecidos como “Troika”. A resposta dos líderes democráticos da UE foi rápida e cristalina: a Grécia não receberia mais um centavo a menos que Papandreou fosse substituído por um “governo de unidade nacional”.

Papandreou prontamente renunciou em 9 de novembro, e seu sucessor, Lucas Papademos, foi empossado dois dias depois. Ex-vice-presidente do BCE, ele era considerado como um braço confiável pela Troika. O povo grego, no entanto, não foi consultado. Uma vez no poder, obtido sem qualquer mandato democrático, o governo fantoche de Papademos aprovou novas medidas de austeridade em fevereiro de 2012, incluindo um corte de 22% no salário mínimo, € 300 milhões em cortes nas aposentadorias e a destruição dos direitos trabalhistas.

Essa medida não tinha como evitar o aquecimento da situação política. A perspectiva de mais cortes impostos diretamente por Bruxelas provocou ainda mais as massas gregas. Enquanto Papademos apresentava sua nova rodada de medidas de austeridade no parlamento, cerca de 500 mil pessoas se reuniam do lado de fora, exigindo o fim da austeridade, poucos dias após uma greve geral de um dia (uma de muitas) ter paralisado o país. Um político da direita afirmou: “Queremos eleições logo porque haverá um governo bolchevique após junho”.

A ascensão do Syriza

Infelizmente, a eleição seguinte não levou a um governo bolchevique, mas a uma coalizão de “centro” que conduziu o direitista Nova Democracia (o maior partido), o Pasok e a Esquerda Democrática ao poder com base na promessa de “renegociar a austeridade”: uma promessa rapidamente esquecida. Em vez de estabilizar a situação na Grécia, essa eleição demonstrou a radicalização que se dava na superfície, particularmente à esquerda.

O Movimento Socialista Pan-Helênico (Pasok), principal partido da classe trabalhadora desde a derrubada da ditadura, perdeu cerca de 2 milhões de votos e caiu para o terceiro lugar atrás do Syriza, um partido que havia conquistado apenas 4,6% dos votos em 2009. Depois de anos de traição e cortes brutais, a conexão histórica entre a classe trabalhadora grega e o Pasok foi deixada em pedaços.

O colapso do apoio ao Pasok também foi um alerta severo aos partidos social-democratas na Europa. Quando o Partido Socialista Francês foi quase aniquilado tanto nas eleições presidenciais quanto nas legislativas de 2017, ele experimentou sua própria “pasokzação”.

As massas buscavam desesperadamente uma forma de sair da crise. Eles haviam realizado manifestação atrás de manifestação. Eles tinham participado de quase 30 greves gerais de um ou dois dias até o fim de 2014. E mesmo assim, sempre que a Troika ordenava, o parlamento votava por mais e mais cortes.

O Syriza ofereceu uma via política à luta. Tendo iniciado como uma união heterogênea de grupos de esquerda, com o eurocomunista Synaspismos ao centro, o Syriza se formou como partido em 2004 e recebeu 3,3% dos votos. Mas a crise transformou a situação completamente.

Entre 2009 e 2012, o partido ganhou cerca de 1,3 milhões de votos, tornando-se o maior partido de oposição. Três anos depois, refletindo o ânimo revolucionário da sociedade grega, o Syriza chegou ao poder em janeiro de 2015 com cerca de 36%, em uma das maiores viradas da história grega.

Eleitos a partir de um programa de “controle da crise humanitária” grega e criação de um “plano nacional para a geração de empregos”, o governo de Alexis Tsipras imediatamente entrou em conflito com a Troika, que exigia que todos os cortes acordados em 2012 fossem plenamente realizados pelo governo.

Todas as propostas de aumento dos salários e ajuda humanitária para os trabalhadores gregos que passavam fome foram imediatamente rejeitadas. Até mesmo as concessões humilhantes oferecidas pelo Syriza em fevereiro foram rejeitadas. Somente uma capitulação completa seria aceita. A mensagem era simples e quase idêntica àquela dada a Papandreou em 2011: nenhum centavo a mais, a menos que o governo se comprometesse ao programa da Troika de cortes perversos, austeridade e privatizações.

Situação pré-revolucionária

Preso em um impasse e vendo o dinheiro se esgotar rapidamente, o governo do Syriza anunciou que iria submeter as exigências da Troika a um referendo em 5 de julho. Uma campanha cínica de intimidação foi imediatamente realizada contra os trabalhadores gregos pela “respeitável” mídia no país e por toda a Europa. Aos aposentados, foi dito que perderiam todas as suas economias como consequência da vitória do “não”, isso pelas mesmas pessoas que haviam apoiado os cortes profundos em suas aposentadorias.

A despeito desta campanha de medo, a resposta das massas foi inacreditável, surpreendendo até mesmo os líderes do Syriza. Na noite da votação, houve uma manifestação massiva pelo “não” (“OXI”) na Praça Sintagma, com cerca de 150 mil pessoas. O resultado foi uma vitória esmagadora do “não”, com 61% votando pela rejeição das medidas da Troika – 85% entre os jovens. O “não” teve maioria em absolutamente todos os distritos eleitorais, mas o percentual foi ainda maior nos distritos da classe trabalhadora.

Ao mesmo tempo, uma situação pré-revolucionária se desenvolvia na Grécia. A crise econômica e social havia se tornado tão grave que jogou as massas de trabalhadores e jovens às ruas em rota de colisão com os poderes da Europa. Diante de uma odiosa campanha de intimidação, as massas gregas enviaram uma mensagem clara a seus líderes: “Sigam em frente!”.

A resposta do BCE foi fechar de vez a torneira, recusando-se a fornecer qualquer outro empréstimo de emergência para impedir os bancos gregos de naufragar. Como resultado, os bancos quebraram, incapazes de fornecer dinheiro às pessoas. A situação se encontrava em um beco sem saída. As massas gregas de um lado, prontas para lutar; os bancos e a UE de outro, com a faca nos dentes; e Alexis Tsipras encurralado entre os dois, relutante em recuar, mas assustado demais para avançar.

Revolução traída

Há uma tendência na esquerda em ver todas as derrotas como inevitáveis. Após cada derrota dos trabalhadores, apareciam os “realistas” para dar de ombros e declarar que “a classe trabalhadora não estava pronta”, ou que “os trabalhadores não tinham a consciência necessária para vencer”. Nada disso poderia ser dito a respeito das massas gregas. A única coisa que faltava a ela era liderança, ou melhor, uma liderança que fosse digna desse nome.

Por um lado, continuar fazendo parte do euro inevitavelmente significaria mais austeridade, mas deixar o euro sob as bases do capitalismo, o chamado “Grexit”, só teria piorado a crise e o colapso econômico que sofriam as massas gregas. Em última análise, a escolha que havia diante da liderança do Syriza era entre capitular e romper com o capitalismo.

Com o apoio da grande maioria da classe trabalhadora grega, eles poderiam ter expropriado os banqueiros e sonegadores capitalistas do país a fim de levar adiante medidas emergenciais para garantir as necessidades básicas para a sofrida população da Grécia.

Claramente, tais medidas só poderiam oferecer um alívio temporário. Um chamado deveria ter sido realizado em seguida para que os trabalhadores da Europa se juntassem à Grécia para romper com as políticas imperialistas da UE e lutar por uma Europa de Estados socialistas unidos. Isso poderia ter se espalhado como chamas pela Europa, onde os trabalhadores de todo o continente assistiam apreensivos à situação na Grécia.

Já em 1906 Trotsky comentou que “em primeiro lugar, fugir diante da oposição organizada do capital seria uma traição maior à revolução do que se recusar a tomar o poder. De fato seria muito melhor ao partido da classe trabalhadora não entrar no governo do que expor suas próprias fraquezas e depois desistir”. Em relação à Grécia, isso não poderia ser mais verdadeiro.

O governo aceitou até mesmo um acordo pior que aquele rejeitado em julho de 2015.

Em 14 de agosto, após um debate inflamado que durou a noite toda, o parlamento apoiou o novo acordo de resgate ao país, embora mais de 40 parlamentares do Syriza tenham votado contra o acordo e Tsipras tenha precisado do apoio da oposição: Nova Democracia, To Potami e Pasok.

A traição teve um efeito desastroso na consciência das massas. Os trabalhadores deram tudo, fizeram tudo o que lhes havia sido pedido e, mesmo assim, estavam piores do que antes. Esse desânimo se refletiu na altíssima abstenção na última eleição, mais um legado do governo “antiausteridade” de Tsipras.

Novas batalhas à frente

A eleição de um governo da Nova Democracia este ano é uma faca de dois gumes para a classe dominante grega. Por um lado, ele certamente atacará os trabalhadores de maneira muito mais segura e menos dissimulada que o antigo governo. Mas também será muito menos capaz de controlar as massas. Os valentes trabalhadores gregos terão novamente a sua chance. Nós devemos a eles nosso apoio incondicional.

Em outros países os trabalhadores também estão se mobilizando contra a austeridade e futuros governos de esquerda como o Syriza estão na ordem do dia. Mas, uma vez que o nosso ataque contra a austeridade se inicie, devemos estar preparados para lutar até o fim. Essa é a lição que persiste do caso grego.

Se vencermos, devemos estar preparados para romper com esse sistema podre, nacionalizar os bancos e monopólios sob controle democrático dos trabalhadores e transformar a sociedade. Para isso podemos contar com a força e o apoio de milhões de trabalhadores, mobilizados para acabar com a austeridade e criar um futuro adequado para nossos filhos.