Ao Alvorecer de um Novo Ano Portuguese Share Tweet Portuguese translation of At the dawn of a new year (January 2, 2009) Com exceção do Ano Novo, as festividades mais importantes do mundo ocidental estão associadas aos eventos do calendário cristão. Contudo, é bem conhecido de todos que estas festividades têm suas origens nas velhas religiões pagãs e estavam, em geral, ligadas aos diferentes solstícios (os dias mais longos do ano em cada hemisfério) e suas relações com a agricultura. O Natal era uma antiga festividade pagã de inverno derivada da Saturnália romana mesclada com outras festividades pagãs de origem germânica e escandinava. Não existe referência à data do nascimento de Cristo na Bíblia. Os primeiros Cristãos celebravam o nascimento de Cristo no dia seis ou sete de Janeiro (uma tradição ainda mantida na Igreja Ortodoxa). Com seu costumeiro oportunismo, os líderes da Igreja mudaram a data para o dia 25 de Dezembro para tirar vantagem das antigas tradições pagãs. A Páscoa era uma antiga festividade do Equinócio de Primavera (quando o dia e a noite têm a mesma duração), associada a antigos ritos de fertilidade (a palavra inglesa Easter [Páscoa] é derivada da deusa pagã Eostre ou Ostara). O Halloween tem raízes na festividade Celta do Samhain, quando o povo comungava com os espíritos da morte e assim evitava sua fúria. Existem incontáveis exemplos que servem como testemunho da obstinação com que a humanidade se apega ao passado. A persistência com que homens e mulheres preservam idéias e crenças tem raízes no remoto e primitivo passado; é prova da natureza profundamente conservadora do pensamento humano em geral. Tradição, hábitos e rotinas têm um peso extraordinário na consciência humana. Como regra, as pessoas não gostam de mudança, particularmente mudanças repentinas que perturbem suas noções e crenças pré-concebidas. Mas em momentos decisivos uma série de pequenas e imperceptíveis mudanças alcança um ponto crítico onde a quantidade se transforma em qualidade. Então, todas as velhas idéias e preconceitos são lançados em confusão. Homens e mulheres são forçados, apesar de si mesmos, a questionar suas velhas idéias, e também o tipo de sociedade em que vivem, sua moralidade e justiça. Tal ponto crítico foi alcançado em 2008, quando, depois de um longo período de crescimento econômico, a economia mundial entrou em forte declínio, que ainda não encontrou seu fim. Este acontecimento impactou profundamente a consciência de todas as classes da sociedade, desde a classe dominante, banqueiros, políticos e burocratas, passando pela classe média, pequenos proprietários e intelectuais, até a maioria da humanidade: os trabalhadores, os camponeses e os miseráveis. Depois de um longo período de relativa prosperidade, onde os valores da “economia de livre mercado” foram aceitos sem maiores questionamentos, e os impressionantes fogos de artifícios da globalização cegaram os olhares e atordoaram os cérebros da intelectualidade (inclusive à esquerda), não é de estranhar que a primeira reação à crise econômica seja a comoção e a incredulidade. A consciência, com seu conservadorismo inato, continua atrasada em relação aos acontecimentos, que se movem a uma velocidade vertiginosa ao redor do planeta. Este estado de coisas somente pode surpreender as mentes atrofiadas pelo pensamento formalista. Para qualquer um com o mínimo conhecimento da dialética, isto não é surpreendente em absoluto. O formalismo rejeita as contradições e não pode lidar com elas, enquanto que a dialética aceita as contradições e explica sua lógica e necessidade. Levará algum tempo até que a consciência das massas alcance o curso dos acontecimentos. Esta consciência ainda vive no passado e deseja com esperança que esta crise seja apenas uma interrupção temporária da “normalidade” que, se tivermos paciência, com certeza voltará. O presumido “atraso” das massas é apenas aparente e está destinado a transformar-se em seu contrário. O verdadeiro atraso está na psicologia dos líderes das organizações de massas: os dirigentes dos sindicatos, dos partidos socialistas e comunistas, que há muito tempo atrás abandonaram a mais leve idéia de socialismo e se adaptaram ao capitalismo. Sua única aspiração é que o capitalismo, por alguma razão desconhecida pela ciência, se desprenda de suas características horrorosas e opressivas e adquira um caráter humano e progressista. Mas a crise econômica pôs na ordem do dia não um capitalismo pacífico e democrático, e sim desemprego em massa, cortes selvagens nos salários e nas condições de vida, abolição das reformas sociais e deterioração generalizada dos padrões de vida. Esta é uma receita acabada para a guerra de classes em escala massiva. Esta é a realidade do capitalismo em 2009 e não as doces ilusões dos reformistas que não entendem nada e somente enxergam o traseiro da história. Freqüentemente os representantes mais inteligentes do capital chegam às mesmas conclusões dos marxistas. Quando a realidade do colapso financeiro finalmente tornou-se clara para todos, o Financial Times, em 5/11/2008, publicou um interessante artigo de Chrystia Freeland, que merece ser estudado cuidadosamente, pois revela o estado mental atual da classe dominante dos Estados Unidos. Freeland começa com uma pequena anedota, relata que no último Halloween, para além das habituais bruxas e monstros, os recentes acontecimentos inspiraram alguns “foliões” das festas de rua do Greenwich Village de Nova York a usar uma fantasia não muito habitual, a fantasia de Sarah Palin. Este fato trivial revela o grau do desprezo dos americanos em relação à desacreditada administração Bush – desprezo este expressado posteriormente nas urnas. Contudo, muito mais interessantes eram os comentários desta jornalista ao citar as figuras dirigentes do Establishment EUA. Quando leres estes comentários, deves levar em conta que não foram escritos para os homens e mulheres comuns. O Financial Times não é um jornal comum, é como um boletim interno da burguesia. Portanto, o que lemos ali é ainda mais importante: “Neste dia um veterano executivo de Wall Street, resignadamente, prognosticou-me que no próximo ano os banqueiros de Nova York serão escolhidos os vilões da nação.” E o artigo continua: “Em privado, alguns dos líderes empresariais e políticos mais influentes dos EUA compartilham inteiramente da mesma advertência: com as eleições resolvidas, o principal assunto político nos EUA será a onda de fúria pública dirigida ao capital e aos capitalistas, particularmente os do setor financeiro” (ênfase minha). São coisas completamente extraordinárias de serem lidas em um jornal como o Financial Times. Que significam? Significam que a classe dominante dos EUA está muito consciente dos efeitos sociais e políticos da crise econômica, e que ainda não se manifestaram. A crescente fúria das pessoas foi temporariamente desviada pelo circo das eleições (que em qualquer caso é seu principal objetivo). A princípio, a culpa da crise está sendo jogada nos ombros da administração Bush. E enquanto as massas estão distraídas pela campanha de Obama (que sem dúvida semeou grandes ilusões), os banqueiros e capitalistas estão temporariamente esquecidos. Mas isto não durará para sempre. O banqueiro citado acima não é qualquer um, é um veterano executivo de Wall Street (que prefere ficar anônimo por razões óbvias). O que ele prevê? Prevê que assim que a cortina de fumaça das Eleições presidenciais se dissipar haverá uma explosão de fúria popular contra “o capital e os capitalistas, particularmente do setor financeiro”. Seria impossível para nós colocar isto de modo mais claro! O artigo continua: “Nas últimas semanas, um ex-membro do gabinete Clinton que prestava assessoria a uma empresa privada, advertiu que esta nova hostilidade será a maior das ameaças que a empresa enfrentará. Um senador da costa leste em um almoço com um grupo de apoiadores de Wall Street disse que a fúria popular contra eles será o primeiro ponto da agenda política, e expressou sua simpatia pela raiva popular. Um memorando sobre os riscos financeiros que o novo presidente enfrentará, feito pela equipe de transição de Barack Obama, tinha como um dos pontos a possibilidade de que as ‘vítimas pressionem para conseguir uma resposta política’.” (ênfase minha). Aqui, novamente, a verdadeira situação nos EUA é admiravelmente expressada. Este anônimo ex-membro de gabinete adverte os capitalistas americanos de que eles enfrentarão a fúria da população, e que esta questão estará no “topo da agenda política” em 2009 e que eles próprios têm certa “simpatia pela raiva popular”. Parte desta fúria já encontrou expressão durante a campanha eleitoral, quando tanto os políticos Democratas como Republicanos buscavam popularidade ao denunciar “a ganância de Wall Street”. O artigo continua: “Mas esta fascinante campanha eleitoral, e a orgia financeira que emergiu no meio desta, poderia realmente servir de amortecedor para a fúria popular. A crise financeira é a razão de ter caído em desgraça Wall Street, para ser mais exato, desde o dia 15 de Setembro, quando o Lehman Brothers quebrou, até 13 de Outubro, quando o secretário, Hank Paulson, de maneira coercitiva comprou ações de todos os grandes bancos americanos. A urgência e a severidade da ameaça econômica eram tão grandes que impediu a prisão de muitos de seus culpados. Enquanto isso, a batalha política se caracterizava por muitos disparos retóricos que tinham como alvo Wall Street, mas a verdadeira luta se dava entre os dois partidos políticos, e seus dois paladinos, que eram o principal foco da paixão da opinião pública nas últimas semanas. Hoje, isto mudou. A crise do crédito, embora lentamente, parece ter se amenizado, e com ela o medo de uma segunda Grande Depressão. A América escolheu um novo presidente. O país agora tem o tempo necessário para refletir sobre sua complicada situação econômica – e exigir que o homem, ontem eleito, aja segundo suas conclusões”. Este é o problema central. Tendo lutado para desviar a atenção da opinião pública da crise do capitalismo construindo a imagem de Obama como salvador da pátria, a classe dominante EUA está preparando o terreno para uma colossal reação quando os milagres não aparecerem. Continuemos a leitura: “Os americanos já não estão felizes. Os economistas Betsey Stevenson e Justin Wolfers descobriram que toda a felicidade colapsou em Setembro, o mês em que Dow Jones entrou em queda pronunciada, e que agora caiu a um nível tão baixo quanto o da recessão de 1981. As coisas vão de mal a pior, com a futura contração econômica e a concomitante perda de empregos e bancarrotas. Além disso, os bilhões de dólares que o Estado destinou ao setor financeiro não se traduziram em crédito pessoal barato, ou menos falências, para os norte-americanos comuns. Os homens de finanças estão se preparando para uma onda de fúria popular - por isso, em uma recente reunião prometeram em conjunto não utilizar os US$ 135 bilhões do Tesouro para pagar os bônus aos banqueiros. Eles sabem que gestos como estes não serão suficientes”. Barak Obama lembra um falso curandeiro que viajava pelo Velho Oeste por pequenas cidades vendendo garrafas de “óleo de serpente” garantindo que curaria todo mal conhecido por um módico preço. A promessa era muito atrativa, muitas pessoas faziam fila para comprar este santo remédio. Os problemas aparecem quando, depois de consumi-lo, nenhum sinal de melhora é constatado, mas neste momento o curandeiro, já bastante rico, já está a caminho de outra cidade. Porém, Barak Obama não pode pegar sua carruagem e ir-se para outra cidade. Ele tem que ficar e encarar as conseqüências das expectativas nele depositadas. O anúncio de fraudes e os escandalosos roubos empresariais que estão surgindo lançam mais combustível às chamas. Os políticos inteligentes como o congressista Henry Waxman farão carreira denunciando sem trégua os principais gestores de fundos de risco em Washington. Em uma tentativa de apaziguar a opinião pública, haverá julgamentos como o da Enron, e alguns banqueiros certamente serão presos. Mas tudo isso não será suficiente para evitar a tempestade que se aproxima. O artigo termina com um significativo paralelo histórico: “Os americanos pressionarão seu novo líder para ajudá-los a determinar quem devemos culpar. Depois de tudo, esta é a pergunta favorita das pessoas enfurecidas durante tempos turbulentos: esta era uma das consignas dos revolucionários russos. Se quiser ter sucesso, o presidente eleito tem que encontrar um caminho para levar o debate nacional para além da mera vingança, tem que levá-lo ao outro grande cri de guerre (grito de guerra) revolucionário russo: O que fazer?” O problema da classe dominante EUA e do resto do mundo na Aurora de um Novo Ano é que estes não têm a menor idéia do que fazer. As enormes quantidades de dinheiro que foram entregues aos banqueiros de diversas formas tiveram muito poucos resultados observáveis. O óleo de serpente não está funcionando. Os bancos embolsaram a grana e se recusam a emprestar para os consumidores, aos industriais ou a qualquer outro. A demanda e o crédito continuam encolhendo, levando a novas bancarrotas, fechamentos de empresas e desemprego. À primeira vista, 2009 se abrirá sob a bandeira preta da reação. O imperialismo israelense concentrou todo seu poderio militar na sanguinária tarefa de submeter e destruir a indefesa Faixa de Gaza. Como de costume as “Nações Unidas” demonstraram-se completamente impotentes, enquanto os líderes do “Mundo Livre” revelam sua nauseabunda hipocrisia ao colocar vítimas e agressores no mesmo patamar, balançando a cabeça e derramando lágrimas de crocodilo sobre os males da “violência”. Os acontecimentos sanguinários na Faixa de Gaza são uma nova expressão do impasse do capitalismo em escala global. Manifesta-se em turbulência universal em todos os níveis: econômico, social, político e militar. São as convulsões de um sistema socioeconômico sem futuro, mas que se recusa a morrer. Incalculável miséria, pobreza, desemprego, guerra, morte e sofrimento para milhões é o resultado dessas contradições. Este é o único futuro que o capitalismo tem a oferecer aos povos do mundo no alvorecer de 2009. Mas as aparências enganam. Sob a superfície, poderosas forças estão amadurecendo. À medida que a crise se desdobrar, milhões de pessoas começarão a tirar as conclusões necessárias, e esta conclusão é: o sistema capitalista precisa morrer para que a humanidade possa sobreviver. A classe capitalista é bem consciente dos perigos que tem à frente. Os estrategistas do Capital olham para o futuro com medo e pavor. As páginas de sua imprensa estão repletas de pessimismo e maus presságios. O ano de 2009 é um ano de muitos aniversários. É o 50º aniversário da Revolução Cubana, quando o povo desta corajosa ilha levantou-se contra o poderoso imperialismo EUA e o derrotou, dando fim ao domínio do latifundismo e do capitalismo. Hoje a Revolução venezuelana está alcançando um momento decisivo, quando também precisará romper o poder econômico da oligarquia com a expropriação dos latifundiários e dos capitalistas, caso contrário, enfrentará a derrota no futuro. Como cedo nos lembrarão, também se completam vinte anos da queda do Muro de Berlim. Nesse momento os capitalistas e seus porta-vozes se sentiam triunfantes. Anunciaram o fim do Comunismo, o fim do Socialismo, e até mesmo o fim da História. Mas agora está patente toda a falsidade de suas previsões. O que colapsou há 20 anos não foi o socialismo nem o comunismo, mas apenas uma caricatura burocrática e totalitária de socialismo. O colapso do Stalinismo foi um grande drama histórico, mas em retrospectiva será visto pela História apenas como o prelúdio de um drama ainda mais grandioso: o colapso do capitalismo, que já está se preparando. Claro, o capitalismo jamais entrará em colapso sob seu próprio peso, através de suas próprias contradições. A História requer a intervenção consciente de homens e mulheres, lutando por sua própria emancipação. Requer o movimento revolucionário da classe trabalhadora, organizada e liderada por seus representantes mais conscientes. Janeiro de 1919 é um trágico mês de nosso calendário revolucionário. É o aniversário da insurreição Espartaquista de Berlim, que terminou em derrota e com o assassinato de dois dos mais excepcionais líderes revolucionários do proletariado internacional: Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. Foi um golpe terrível contra a classe trabalhadora alemã. Também naquele momento, a burguesia e seus agentes na direção da Social Democracia, Noske, Ebert e Scheidermann, acreditavam que haviam triunfado. Mas o proletariado alemão recuperou-se da derrota – como os trabalhadores de todos os países sempre se recuperam de cada derrota – e conseguiram derrotar o golpe de Kapp em 1920 e dois anos mais tarde formaram o Partido Comunista, um partido de massas. 1919 não foi apenas o ano de uma terrível derrota, mas também o ano de um grande passo adiante. Em Março daquele ano em Moscou era celebrado o primeiro Congresso da Internacional Comunista, que reuniu o genuíno proletariado revolucionário de todo o mundo. Nos documentos programáticos dos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista encontramos resumida toda a rica experiência e a herança teórica de nosso movimento, que começou com o Manifesto Comunista de Marx e Engels. Hoje, noventa anos mais tarde, baseamo-nos nestas maravilhosas idéias, que foram reivindicadas pela História e que hoje são mais relevantes do que nunca. Enquanto a burguesia, seus defensores ideológicos e os reformistas parasitas afundam em desespero e pessimismo, nós Marxistas olhamos para o futuro com confiança e otimismo. O banqueiro americano entrevistado pelo Financial Times no último Halloween estava assombrado por um fantasma – o mesmo fantasma que rondava a Europa em 1848 – o fantasma do Comunismo. As forças do genuíno Marxismo retrocederam durante décadas devido às condições materiais do capitalismo e devido aos crimes do Stalinismo; estavam obrigadas a nadar contra uma poderosa corrente. Agora a maré da história começa a fluir em outra direção e nós estamos começando a nadar, não mais contra a corrente da história, mas junto com esta. A Corrente Marxista Internacional, que se orgulha de estar fundamentada nas idéias de Marx, Engels, Lênin, Trotsky, Luxemburgo e Liebknecht, defendeu consistentemente estas idéias nos momentos mais difíceis. Outras correntes que pretendiam falar em nome do Marxismo desapareceram sem deixar rastro ou abandonaram a defesa dessas idéias. O próximo período criará as mais favoráveis condições para o crescimento da CMI. Quando os agentes da classe dominante assassinaram Rosa Luxemburgo e Liebknecht, pensaram que haviam solucionado o problema. Quando os agentes de Stálin assassinaram Leon Trotsky, pensaram o mesmo. Mas não se pode assassinar uma idéia cujo tempo chegou. Neste histórico aniversário, prestamos homenagem à memória dos mártires de nosso movimento, e gritamos com voz confiante: “ESTAMOS AQUI E PREPARADOS PARA CONTINUAR A LUTA!” Londres, 02 de Janeiro de 2009. Source: Esquerda Marxista